sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Vargas Lhosa, Nobel de Literatura de 2010

Hoje estou flutuando de alegria. Não é que o bom Vargas Lhosa ganhou o Nobel? Não é sem tempo. Depois de Garcia Marquez, ele foi o primeiro a merecer tal regalo. O que me deixa espantada é que só agora tenha lhe acontecido a honraria. E, ainda, que somente agora se tenha prestado atenção à literatura da América do Sul como a mais criativa do último século.
Leio Lhosa de priscas eras. Tia Júlia e o escrevinhador, Pantaleão e as visitadoras, Conversa na Catedral, A Casa Verde, A Madrasta, Cadernos de Dom Rigoberto, Peixe fora d'agua, As travessuras da Menina Má e, o soberbo O Paraíso é na outra esquina. Vários outros que neste momento não me ocorre citar, a obra de Lhosa é cristalina, bonita, contundente e bem pesquisada. Foi através de O Paraiso na Outra Esquina que pude acompanhar um relato maravilhoso de duas criaturas desassocegadas no seu tempo. Flora Tristã e Gauguin. Ambos não se curvaram às determinações de seu papel na sociedade em que viveram, e deram um salto distante em direção ao que achavam mais justo, mais correto. Ambos eram avó e neto, muito provavelmente não se conheceram. Flora, pensadora anarquista de sua época, foi a mulher que botou o dedo em riste no nariz judeu de Karl Marx, exigindo dele respeito na edição de seus textos que haviam chegado primeiro à grafica. Gauguin, o neto de Flora, herdeiro do inconformismo da avó, deixou uma bela carreira executiva para dedicar-se às telas. Mais que isso, depois de abandonar mulher e filhos, e levar uma curta vida de sobressaltos ao lado do perturbado Van Gogh, retirou-se para as Ilhas Marquesas onde, para além da arte, levou também sua perspicácia de entender os nativos. Lá, cercado de natureza luxuriante e de belas mulheres, ele execrou os missionários que pretendiam modificar o modode vida dos habitantes das ilhas, compondo um pequeno livro (Antes e Depois), que é um verdadeiro ensaio de antropólogo. Vargas Lhosa soube tratar desse filão precioso do conhecimento, dando a seu livro um caráter de eterna busca, do sentido da busca em si, mesmo que se considere a impossibilidade de alcançar o paraiso que fica na outra esquina. A luta pela luta. A vida pela vida. E não foi assim que Vargas Lhosa fez até agora? Escrever para escrever, a vitória encontra-se no próprio ato de escrever.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Ivone em 2010


Resposta de Educador

Como cientista social e educador, venho manifestar minha indignação e horror com o projeto de lei que propõe o toque de recolher para menores.
É uma medida inconstitucional, que fere as liberdades individuais. Em segundo lugar, já existem leis e mecanismos que tratam da delinqüência, bastando que sejam aplicados corretamente; bem como a legislação do ECA que espera por ser aplicada na defesa de nossos jovens. Porque os jovens que não delinqüem – a maioria – tem de pagar por alguns? Existe uma grande diferença entre jovens que voltam de uma discoteca ou tocam violão na calçada, com os que delinqüem. E certamente, não será com a criação de leis repressivas que isso se resolverá, ainda menos com leis de excessão. Certamente os jovens de classe alta continuarão a circular, e o peso de tal lei cairá sobre os mais pobres. Uma lei deste tipo aparece para remendar a incompetência e hipocrisia dos pais e a fraqueza das comunidades em dialogar com seus jovens e estabelecer regras de convívio e respeito mútuo.
O que mais é preocupante e não se discute, são os precedentes gravíssimos que isso abre. O que virá depois? Leis anti-mendigos? Toque de recolher para adultos? Leis para dispersar grevistas e proibir protestos? Censura? Chegará um dia em que só possamos circular com salvo-conduto? Realmente, tal proposta não é um ato de humanidade, mas um resquício de ditadura militar e um retrocesso social fascista que abre precedentes gravíssimos, um ataque a todos da classe trabalhadora, e que só pode ser apoiado por pessoas desavisadas e sem memória histórica, que não sabem o que estão falando. Cabe a sociedade e aos senhores vereadores arquivarem tal projeto. E aos que o apóiam, refletir mais sobre suas responsabilidades como pais e educadores, e estudar um pouco de História. Sabemos muito bem aonde este tipo de coisas vai dar.

Paulo Marques

pvmdias@usp.br

Toque de Recolher

CRIAR FILHOS

Este “Toque de Recolher” está dando o que falar. Alguém arrotou esta idéia de jerico e tem pais gostando. Pais fracassados, diga-se de passagem, porque pais competentes sabem que devem ter autoridade sobre os filhos e lhes dar bons exemplos. Depois, vem o Bufão do Planalto contra as palmadas...Vejam só, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come! Liberdade versus ditadura, simples assim, e os tapados acham que vão viver gozando dos benefícios de um ou de outro sistema social ou político. Tudo para justificar a incompetência de pais e governantes.
Sou mãe de família. Meu marido e eu, que lutamos contra a ditadura, criamos dois filhos, o Paulinho e a Madalena, trabalhando muito para que tivessem bons estudos e fossem respeitosos. Quando eram menores de idade, não os deixávamos sair sem conhecer o destino e saber que horas voltariam. Muitas noites fomos buscá-los nas festas, e seus dias eram ocupados com os deveres da escola e outras pequenas tarefas.
Deu certo? Penso que sim. Liberei-os aos 17, quando se tornaram alunos da USP, então entreguei-os ao mundo mais bem defendidos do que eram na infância ou início da adolescência. Agora, são adultos. Para minha alegria, Paulinho defende seu Mestrado na mesma USP, na metade de setembro. Mestrado, aliás, sobre Educação, Política e Sociedade. E Madalena, lança um belo livro sobre Mogi das Cruzes colonial, assunto a que se dedicou durante anos de pesquisa. Nossa felicidade de pais destes dois, é a compensação dos esforços de todos. É por isso que me irrita esse discurso de toque de recolher, além do discurso contra as palmadas.
Meus filhos não precisaram apanhar. Sabiam que a relação pais/filhos não era horizontal, e sim, vertical. Eles estavam lá para serem protegidos; nós, para educá-los e estimulá-los nas carreiras que escolhessem.
Agora que estamos mais velhos, muitas vezes somos importunados por uma garotada infernal que joga futebol na rua e estraga nossos portões. As mães assistem suas novelas. Mas, quando vejo jovens importunando os outros, sei que meu bairro não tem um único lugar onde possam jogar e se divertir como precisam. São órfãos de pais vivos e cidadãos sem governo que lhes ofereça destino. Assim, dane-se o Tobias, dane-se o Lula, danem-se os pais irresponsáveis. Educação requer cuidados especiais, tanto o Estado quanto as famílias tem igual responsabilidade. Precisam pensar que colocar filhos no mundo exige doação de si mesmo durante muitos anos. E o Estado, que se descaracterizou porque transferiu suas funções às empresas multinacionais, perdeu de vez sua autoridade. Às empresas, interessa apenas criar exército de mão de obra de reserva, para, no futuro abortar inconformismo de trabalhadores mal pagos.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

ATO FALHO

Não existe sobre o planeta uma só pessoa que em qualquer momento de sua vida não tenha cometido o seu “Ato Falho”. A expressão em si traduz um conceito psicológico, ou seja, revela conteúdos inapropriados que remetem a uma situação psicológica, seja de inadequação àquele tipo de pensamento, seja de cansaço na operação dos fatos cotidianos, enfim, uma bobagem que sai inadvertidamente sem a percepção imediata de que foi cometida. Aqui no Mogi News aconteceu algo parecido no jornal da última terça feira ( Caderno Brasil, pg. 1). A pessoa que inseriu e diagramou a matéria, por linearidade, escreveu “homenageadas” na nota superior e, “hemergentes”, na nota inferior. Depois, os textos correm tranqüilos, sem erros de ortografia. Claro, todo mundo percebeu que emergentes não tem e nunca teve o abominável “h” que lhe precedeu.
Como leitora contínua de jornais e revistas, me diverti muito com este equívoco, que pretendo chamar simplesmente de ato falho. Fiquei a me perguntar: quem teria diagramado e deixado passar a rata? Seria uma mocinha que adora aparelhar as coisas para dar um sentido estético de arrumação? Seria um funcionário cansado que bateu os olhos no parágrafo de cima e projetou inconscientemente o título de baixo? Seria um assassino de textos (não serial) disposto a matar sua sede de sangue na complicada língua portuguesa? Ou então um revoltado social (quem não é?) que procurou dar este H aos emergentes para que eles apareçam e sejam ridicularizados com mais perfeição?
O fato é que os emergentes são chatos mesmo, e lhes caberia bem esse “H” de heliasta, de hematopoiético, de helminto ou de helmódone. Seria heresia que fosse heril usar esse “H” que não coube na imprensa? Deveria ir para a forca o corretor e levar junto o diagramador? De modo nenhum. Quem botou essa letra a mais nos emergentes poderia até estar tornando a categoria mais nobre do que realmente é, mesmo sabendo que os emergentes tiram caca do nariz e escondem debaixo da cadeira, furam lugar na fila e dizem que já estavam lá antes, arrotam em público e dizem-se extravagantes. Então, não há crime a punir neste ato falho do jornalista.
Um dos maiores escritores vivos da língua portuguesa, o maravilhoso Saramago, importunou-se tanto com as normas da redação que um dia pregou-lhe os pés nos fundilhos e passou a escrever sem parágrafos, pontos, vírgulas, dispondo do texto como as máquinas de escrever e os dinossáuricos computadores bem entendiam. Marcou um estilo próprio, difícil ao leitor, mas rico nas idéias, o que lhe valeu um Premio Nobel de literatura. O interessante foi ele ter escrito um livro inteiro, “O cerco de Lisboa”, apenas para contar do ato falho de um “não” que mudou a história de Portugal.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Cat Duet - Boys Choir

TROCAS E PRESENTES



As caravelas portuguesas que navegaram no Atlântico, tinham algumas necessidades básicas. A primeira, naturalmente, era encontrar lugares com bastante água potável para continuar viagem. Outra, era plantar em pontos estratégicos, uma planta que dava fibras para o resistente cordame que sustentava as velas dos navios. Desta planta, as mudas foram trazidas do Oriente, e se adaptaram admiravelmente bem no Brasil. Em contrapartida os navegantes levaram daqui para Europa, uma espécie vegetal que lhes tornaria a vida mais saborosa. Foi assim que ganhamos de presente a maconha e demos em troca o tabaco aos europeus.
O efeito da canabis era já conhecido no Próximo Oriente. Dela retiravam uma resina à qual davam o nome de haxixe, e alegavam que o haxixe tornava os guerreiros mais valentes. Esses guerreiros infiéis receberam por isso o nome de haxixinos, donde temos o aportuguesado termo assassinos. Mas aqui no Brasil, o uso da erva não chegou tão longe. Quando muito, nos tempos coloniais, os escravos faziam um cigarrinho para pitar à noite na senzala e, quem sabe, sonhar com sua liberdade perdida.
Na metade do século XX, fumar maconha era coisa de batedor de carteira e, nem de longe alguém pensaria que, em um quarto de século ela estaria no topo das experiências juvenis. Conta a lenda que os Beatles fumaram-na dentro do castelo de Windsor quando foram condecorados pela rainha. E, no famoso festival de Woodstock, o que mais se via era gente curtindo seu barato na imensidão do campo norte-americano. Dali para frente, as aventuras começaram a se tornar mais perigosas. Outras drogas mais pesadas foram sendo consumidas e o problema da dependência se tornou uma questão de saúde pública.
Assim, estamos no lucro. Não se descobriu um único uso farmacológico para o tabaco, mas a erva da maconha, em contrapartida, vem sendo estudada e mesmo utilizada com finalidades terapêuticas. No entanto, no Brasil isso não acontece, pois as barreiras legais até permitem pesquisa, mas ainda não autorizam o uso de medicação com esse princípio ativo. O Dr. Carlini, por exemplo, é um dos estudiosos em pauta. Com ele estiveram José Rosemberg, José Elias Murad entre tantos, mas infelizmente aqui a lei corre em velocidade menor que a ciência. Assim, ficam sem esse possível tratamento, os portadores de esclerose múltipla, entre outros.
As drogas tem que ser pensadas, e não satanizadas. Avoco o milagre da experiência dos ancestrais. Os índios usavam curare para matar. Mais tarde, os pesquisadores descobriram o fantástico uso dos curarizantes para promover relaxamento muscular e facilitar, por ex., a intubação traqueal em pacientes necessitados. Foi um sucesso, que devemos à cultura tupiniquim.
Ivone Marques Dias

Retorno ao site

É bom voltar. De vez em quando a gente tira um tempo para ficar longe da telinha e então não se dá conta de que o tempo corre demais. Pois foi assim que desde janeiro só fiz ler escritores africanos, os quais me deixaram profundamente feliz com sua descoberta. Mia Couto, é irresistível; Pepetela me passa um sabor de fruta. Agualusa da-me arrepios. Le Clésio e Coeetze me embriagam. Muitos outros podem ir à lista, mas de agora em diante vou falar de cada um à sua hora. Não excluirei nem Karen Blixen nem Antonio Olinto, que, apesar de virem de longe, viveram a Mama`África tão intensamente.
Se acaso voce tiver o que dizer dessa literatura, mande-me para que eu inclua no Blog.
Ivone

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Haiti

2010 começou sob o signo da desgraça. Ninguém pode falar que o sofrimento dos Haitianos não é de todos. Pior, há quem se proponha a ajudar, mas a logística é precária. Lembrei-me da música de 1993 de Caetano e Gil, que termina assim:
Pense no Haiti
Reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Gauguin e Van Gogh

GAUGUIN E VAN GOGH
Dia ou outro a gente tem que parar de pensar nas cacas que os nossos pares fazem, para pensar na caca que os outros fizeram. Pior: Inês é morta e o povo muito louco reabre umas questões que são tão significativas como o pum do pardal que acorda os ingleses.
A Folha Ilustrada desta terça feira botou em causa quem cortou a orelha de Van Gogh. Pode? Falam uns da truculência de Gauguin – o que é verdade; outros, falam da fixação homoerótica que Van Gogh mantinha por Gauguin. O fato é que a orelha foi guardada por uma prostituta, e Van Gogh enjaulado num hospício por um bom tempo. Ele era fã de absinto, eu já tomei absinto e nunca tive vontade de cortar nada. Garanto. Gauguin, por sua vez, que era neto da anarquista Flora Tristã, a única mulher de que se saiba tenha posto o indicador no nariz de Marx porque achava que seus textos eram mais importantes que os dele e deviam ter prioridade na gráfica, era não menos anarquista que a vovó. Retirou-se para as Marquesas, onde pintou os nativos e escreveu sobre eles com pertinácia indiscutível. Gauguin tinha seu lado antropólogo. Sabia que os cristãos iam apagar aquela natureza aborígene da face da terra. E tinha razão.
Van Gogh suicidou-se com um tiro nos miolos mas manteve seu bilau intacto. Gauguin, por sua vez, morreu de doença sexualmente transmissível, mas era um ídolo para a população das Marquesas que o chamavam de Koké.
O que ficou destes dois homens foi a pintura que fizeram. A sala de Van Gogh no Museu d’Orsay, me arrepia até o fundo d’alma. Gauguin me enternece com o seu lado antropólogo. Antes e Depois devia ser um livro lido por todos, um libelo em defesa do que é puro e natural.
Fico em meu computador pensando no tanto de lixo que se produz sobre a sociedade contemporânea. Estamos todos estuprados dia-a-dia por um volume absurdo de desgraças, demonizações, corrupções, ficamos sem tempo para brincar com o gato e o cachorro, que não dirá ver arte, ler livros. Aliás, acho que há uma conspiração nacional para analfabetizar todo mundo. Depois cegar, finalmente, calar. E Van Gogh, coitadinho, já sabia disso. A propósito, ele sofria de esquizofrenia ou de porfiria?
NÃO SOU INTELECTUAL

Não sou intelectual. O que fiz na minha vida foi decorar a tabuada de vezes, ler a cartilha e, o máximo a que cheguei foi interpretar Virgílio no original latino para compreender o carbúnculo hemático que devastou a Nórica na Antiguidade. Quando passeei pela Europa, meus companheiros eram alguns franceses , escandinavos e portugueses que gostavam de tomar café em qualquer botequim. Faziam o mesmo que eu, isto é, tentavam saber das epidemias do passado para compreender as realidades imunológicas do presente. Era uma parada legal, a gente se entendia bem e, como estávamos longe de casa, falávamos com saudade de nossas famílias. Este longo passeio, apesar de ser pago com dinheiro do governo do Brasil, jamais foi aproveitado pelos médicos daqui, porque eles achavam mais fácil alegar nas declarações de óbito que seus pacientes morriam de falência múltipla de órgãos. Impressionante. Se eu fosse intelectual, talvez encontrasse algum cadáver com alguns órgãos funcionando, mas isso nunca aconteceu. Em todos os mortos que vi, havia parado tudo. Por isso, a gente se contentava em analisar achados esqueletais, principalmente quando os traços patognomônicos da doença que os vitimou eram muito evidentes nas ossadas cranianas. Não há nada de intelectual nisso, é apenas um brinquedo de Indiana Jones com o dinheiro público. Foi lindo ver o esqueleto de São Frutuoso. Uma osteoporose do cão, mas que importância pode ter isso? Ou que importância pode ter em saber que a lepra chegou aqui pela colonização? Ou que o sul tem mais resistência imunológica que o norte do país quanto a essa doença? Ou que a miséria tem sempre o seu dedo posto na mortalidade social? Mas isso não faz de mim uma intelectual.
Também não sou “massa de manobra”. A morte de Michael Jackson não me comoveu a ponto de nâo ler as outras páginas dos jornais, de saber o que vai pelo mundo. Na verdade estou velha para apreciar garotos andróginos que adoram balançar os quadris e coçar o saco para a platéia. Estou em outra. Gosto de sempre ver que o espelho tem duas faces. Cadeião e lixão não interessam para a cidade, mas interessam menos ainda a quem mora nos ricos condomínios do Taboão para lá.
Também não mando em nada, nem em minha própria casa. Acho que criei o senso relativo das coisas, desde que o meu velho pai falava entre risos que o vizinho era mandão pra burro, mas as filhas viravam bolsinha e a mulher havia passado em revista todo o quartel do Barro Branco.
Reduzo-me à minha insignificância, mas não reduzo meu orgulho e minha moral aos atos fascistas de quem quer que seja. Por exemplo: um político eleito é apenas um criado meu, pago com meu imposto para trabalhar direitinho. Explicit.

Feriado Cívico

FERIADO

Aprendi a cortar os cabelos do meu filho. Ele não tem muitos fios na cabeça, em todo caso, é sempre uma obra de arte manipular máquinas e tesouras, sem deixa-lo com menos cabelo ainda. Dez reais. Economia doméstica pura; em contrapartida ele lavou a louça do jantar. Também, esse feriadão longo deu para fazer muita coisa, do supermercado à leitura de jornais e revistas. Deu até para saber que o Lázaro Ramos e a mulher vivem em casas separadas mas se visitam com freqüência, maior do que os amigos comuns. Deu pra dormir bastante. Deu para ler mais um trecho do Quarup, de Callado e brincar de budipoque no Orkut. Mas, chegou a terça feira, o tempo dos desfiles e do ócio passaram, e eu vi no jornal de terça um maçon de luvas brancas (claro, eu que sou cunhada também tenho uma, ainda que não saiba o que fazer com ela)
Então, fiquei a matutar no meu matutômetro, qual o papel real que a maçonaria teve nos acontecimentos nacionais. Pelo menos uma coisa é certa. O Dom Pedro não era maçon coisa nenhuma. Ele gostava mesmo era de mulheres, mas, como estava rodeado de senhores sérios, não podia passar em branco que ele berrara Independência ou Morte. Então, fizeram no Rio uma sessão solene e ele foi guindado ao grau 33 e Grão Mestre da referida ordem. Assim: bem coisa tipo “Doutor Honoris Causa”. Como se percebe, o Brasil tem suas mandracarias desde as origens.
Longe de mim criticar ou entrar em polêmicas quanto aos símbolos pátrios, mas garanto que Moacir Franco tem mais popularidade que D.Pedro I. Rio Negro e Solimões, então, nem se fala. Ou seja, o passado se perdeu porque nem era tão interessante. O presente ganhou porque dá pão e circo com fartura à população.
Será que essa ótica nihilista pega bem? Claro que não. Viver feriados só porque o são, deixa no ar um certo clima de mofo, de ignorância, de absoluto desentendimento em saber interpretar símbolos.Talvez o símbolo mais forte que se tenha esquecido, foi o da Liberdade. Ser livre para cortar os cabelos do filho. Ser livre para pensar e escrever sem as cutiladas da censura. Ser livre até para não ser livre, e escolher um marido mandão. Ser livre para escolher um presidente bufão e um senado de pé quebrado. Ser livre para se corrigir. Ser livre para cooperar, para conviver, para dividir, para amar, para negar.
Só que a liberdade tem um preço alto. Significa não delegar poderes para que os outros ajam em seu nome. Ter coragem. Não aceitar mandracarias a que me referi. Defender livremente a natureza da qual fazemos parte e, sobretudo, num clima de fraternidade e solidariedade. Ser livre para não usar luvas na hora de hastear a bandeira. Mostrar as mãos limpas. E, de princípio, prontas a lutar pelo preço da liberdade.

terça-feira, 26 de maio de 2009

O Governador que pisa na jaca

José Serra esbanja talento, mas esquece detalhes...
Serra, que feio! Você, governador, casado com uma chilena tão bonita, homem de ministério que peitou as multinacionais dos medicamentos, foi para o Governo do Estado e meteu o pé na jaca em sua escolha de assessores. Lembra daquela certa dona Maria Helena da Secretaria da Educação? Pois foi do tempo dela a escolha dos livros para a leitura da criançada da escola. Daí, deu pau. Imagine que, na minha provecta idade (aliás, também a sua), eu pensava que chupa-rola era comer frango à passarinho. Descobri que as doces rolinhas são pornográficas e inadequadas para os alunos. Então, o negócio é abrir licitação para distribuir estilingues aos moleques de 8 a 12 anos. Penso que essa dona Helena era bem piradinha, porque promoveu tanta besteira que caiu do galho, deu dois suspiros e depois morreu. Lembra do concurso para contratar professor provisório? Estou até agora esperando a contratação de um filho que teve nota lá nas alturas mas não tinha os pontos dos cansados professores precários. Ele não reclamou nada. Sabia que tudo era injusto e cruel. Erros velhos não se corrigem com cretinices novas. E as crianças sabem muito mais besteiras do que o governo pensa. Basta visitar um banheiro de escola ou caminhar pelos muros do entorno depois que escurece. Diga-me lá, Serrote, sabias que os moleques fazem concurso de esperma? E que tal concurso tem duas modalidades, a de volume e a de distância?
E, vem cá, Serra. Porque barbarizar todas as gentes com a construção de presídios para ressocialização de presos? A Unidade Mogiana vai empregar quem nesta província que mal conhece as próprias origens? Onde? Os ressocializáveis vão plantar alface? Vão trabalhar como caixas de supermercado? Empregados domésticos?
Certo, todo mundo tem direito a se recuperar. Eu até aceito 50% do contingente que o Verdugo Mór quer mandar para cá, mas imponho condição.
Quero que haja a construção de uma unidade prisional semi aberta dentro do Jockey Club de São Paulo. E quero também que os detentos nesta situação trabalhem no Morumbi, uma parte deles dentro do Palácio dos Bandeirantes. E, com sua mania de enxugar pessoal para baratear os serviços do Estado, vai ficar maneiro fazer um orçamento barato às custas desta escória que a própria sociedade dos bacanas criou. Como sua camareira, indico a Srta. Richtoffen. Se ela não cortar sua cabeça, por causa do cadeião, certamente, nós o faremos. Quantos votos perderá?

Mia Couto

Um dos autores contemporâneos que tem feito a minha cabeça, é , sem dúvida, o moçambicano Mia Couto. Cabeça boa, estudou medicina, biologia e tornou-se ambientalista, daqueles que suja as botas para examinar a desordem ecológica dos sítios. Seus livros vem sendo editados pela Companhia das Letras, a editora que fareja os melhores talentos do mundo.
Pois eu amei Mia Couto. Seus romances, todos tem como cenário as terras de Moçambique. Variam contudo os dramas humanos, ainda que o cenário da devastação das guerras coloniais seja onipresente. Mistura os naturais da terra com os vindos de Goa e os remanescentes lusitanos. Belas obras. O outro pé da sereia deixou-me com o sabor de um inconsciente coletivo que pouco se movimenta entre cá e lá. Frente a tantas incertezas, melhor retirar-se ao exílio da terra calcinada onde apenas as cabras insistem em balir. O longo período histórico que abarca a montagem literária, apenas nos oferta a medida da insignificância humana.
Mas é pela humanidade que luta e escreve Mia Couto. Da terra, ele é um dos grandes. De África, até pouco tempo tínhamos Karen Blixen e Antonio Olinto. Hoje, Mia, o escriba branco, rende-se à magia ancestral para buscar a redenção do Homem.

Perdas irreparáveis

Semana passada, não escrevi minha coluna porque meu irmão havia falecido após curta e dolorosa doença. Minha cabeça ficou tão oca que era impossível até chorar. Nesta segunda, abro a Folha e leio a notícia do falecimento de Mario Benedetti, escritor uruguaio pouco lido no Brasil. Você já leu Benedetti? Tenho em minha frente três obras suas: Gracias por el fuego, A trégua e Primavera num espelho partido. Mário deixou uma obra alentada, mas as editoras brasileiras, demoraram a traduzi-las. Como elas foram censuradas por razões políticas, ficaram por décadas no esquecimento. Depois, tem essa coisa: o mercado editorial quer lucro, então fica mais fácil investir em auto-ajuda ou literatura especulativa. Vai daí que, alta porcentagem de páginas impressas não alimenta o cérebro, apenas as finanças, então, porque editar gente como Benedetti, um exilado político nas ditaduras dos anos 70? Assim, ele foi esquecido. É como se a América Latina só tivesse Vargas Lhosa, Isabel Allende, Gabriel G. Marques e, num segundo momento, Borges, Neruda e Carlos Fuentes. No entanto, a América Latina é um celeiro de talentos literários e, acrescentando o Brasil, eu diria sem medo que vivemos no século XX a mesma grandeza literária que a Europa .
Mario Benedetti viveu 88 anos. Dos livros dele, Gracias por el fuego e Trégua trabalham com dramas existenciais, com o sentimento de impotência para melhorar a situação do mundo, e também com a ternura que pode amenizar o impasse de uma aposentadoria. Belos livros, traduzem sofrimentos da alma para reconduzir suas buscas. Mas, Primavera num espelho partido, consegue chutar o pau da barraca das convicções humanas.
Existe amor? Por certo existe. Mas ele acaba? Talvez não, porém se esgarça ao longo do tempo, no distanciamento objetivo e nas intenções humanas. É isso que acontece com as pessoas em tempos de guerra e repressão. Esta, foi a história da minha juventude. Reconheci-me no livro. Com a morte de Benedetti, tudo veio à tona. Meus olhos represados desde a morte do irmão, agora abriram-se em cascata. Chorei até molhar o travesseiro e os lençóis. Pelo Sergio, pelo Mário e por todas as dores do mundo.