sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Vargas Lhosa, Nobel de Literatura de 2010

Hoje estou flutuando de alegria. Não é que o bom Vargas Lhosa ganhou o Nobel? Não é sem tempo. Depois de Garcia Marquez, ele foi o primeiro a merecer tal regalo. O que me deixa espantada é que só agora tenha lhe acontecido a honraria. E, ainda, que somente agora se tenha prestado atenção à literatura da América do Sul como a mais criativa do último século.
Leio Lhosa de priscas eras. Tia Júlia e o escrevinhador, Pantaleão e as visitadoras, Conversa na Catedral, A Casa Verde, A Madrasta, Cadernos de Dom Rigoberto, Peixe fora d'agua, As travessuras da Menina Má e, o soberbo O Paraíso é na outra esquina. Vários outros que neste momento não me ocorre citar, a obra de Lhosa é cristalina, bonita, contundente e bem pesquisada. Foi através de O Paraiso na Outra Esquina que pude acompanhar um relato maravilhoso de duas criaturas desassocegadas no seu tempo. Flora Tristã e Gauguin. Ambos não se curvaram às determinações de seu papel na sociedade em que viveram, e deram um salto distante em direção ao que achavam mais justo, mais correto. Ambos eram avó e neto, muito provavelmente não se conheceram. Flora, pensadora anarquista de sua época, foi a mulher que botou o dedo em riste no nariz judeu de Karl Marx, exigindo dele respeito na edição de seus textos que haviam chegado primeiro à grafica. Gauguin, o neto de Flora, herdeiro do inconformismo da avó, deixou uma bela carreira executiva para dedicar-se às telas. Mais que isso, depois de abandonar mulher e filhos, e levar uma curta vida de sobressaltos ao lado do perturbado Van Gogh, retirou-se para as Ilhas Marquesas onde, para além da arte, levou também sua perspicácia de entender os nativos. Lá, cercado de natureza luxuriante e de belas mulheres, ele execrou os missionários que pretendiam modificar o modode vida dos habitantes das ilhas, compondo um pequeno livro (Antes e Depois), que é um verdadeiro ensaio de antropólogo. Vargas Lhosa soube tratar desse filão precioso do conhecimento, dando a seu livro um caráter de eterna busca, do sentido da busca em si, mesmo que se considere a impossibilidade de alcançar o paraiso que fica na outra esquina. A luta pela luta. A vida pela vida. E não foi assim que Vargas Lhosa fez até agora? Escrever para escrever, a vitória encontra-se no próprio ato de escrever.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Ivone em 2010


Resposta de Educador

Como cientista social e educador, venho manifestar minha indignação e horror com o projeto de lei que propõe o toque de recolher para menores.
É uma medida inconstitucional, que fere as liberdades individuais. Em segundo lugar, já existem leis e mecanismos que tratam da delinqüência, bastando que sejam aplicados corretamente; bem como a legislação do ECA que espera por ser aplicada na defesa de nossos jovens. Porque os jovens que não delinqüem – a maioria – tem de pagar por alguns? Existe uma grande diferença entre jovens que voltam de uma discoteca ou tocam violão na calçada, com os que delinqüem. E certamente, não será com a criação de leis repressivas que isso se resolverá, ainda menos com leis de excessão. Certamente os jovens de classe alta continuarão a circular, e o peso de tal lei cairá sobre os mais pobres. Uma lei deste tipo aparece para remendar a incompetência e hipocrisia dos pais e a fraqueza das comunidades em dialogar com seus jovens e estabelecer regras de convívio e respeito mútuo.
O que mais é preocupante e não se discute, são os precedentes gravíssimos que isso abre. O que virá depois? Leis anti-mendigos? Toque de recolher para adultos? Leis para dispersar grevistas e proibir protestos? Censura? Chegará um dia em que só possamos circular com salvo-conduto? Realmente, tal proposta não é um ato de humanidade, mas um resquício de ditadura militar e um retrocesso social fascista que abre precedentes gravíssimos, um ataque a todos da classe trabalhadora, e que só pode ser apoiado por pessoas desavisadas e sem memória histórica, que não sabem o que estão falando. Cabe a sociedade e aos senhores vereadores arquivarem tal projeto. E aos que o apóiam, refletir mais sobre suas responsabilidades como pais e educadores, e estudar um pouco de História. Sabemos muito bem aonde este tipo de coisas vai dar.

Paulo Marques

pvmdias@usp.br

Toque de Recolher

CRIAR FILHOS

Este “Toque de Recolher” está dando o que falar. Alguém arrotou esta idéia de jerico e tem pais gostando. Pais fracassados, diga-se de passagem, porque pais competentes sabem que devem ter autoridade sobre os filhos e lhes dar bons exemplos. Depois, vem o Bufão do Planalto contra as palmadas...Vejam só, se correr o bicho pega, se ficar o bicho come! Liberdade versus ditadura, simples assim, e os tapados acham que vão viver gozando dos benefícios de um ou de outro sistema social ou político. Tudo para justificar a incompetência de pais e governantes.
Sou mãe de família. Meu marido e eu, que lutamos contra a ditadura, criamos dois filhos, o Paulinho e a Madalena, trabalhando muito para que tivessem bons estudos e fossem respeitosos. Quando eram menores de idade, não os deixávamos sair sem conhecer o destino e saber que horas voltariam. Muitas noites fomos buscá-los nas festas, e seus dias eram ocupados com os deveres da escola e outras pequenas tarefas.
Deu certo? Penso que sim. Liberei-os aos 17, quando se tornaram alunos da USP, então entreguei-os ao mundo mais bem defendidos do que eram na infância ou início da adolescência. Agora, são adultos. Para minha alegria, Paulinho defende seu Mestrado na mesma USP, na metade de setembro. Mestrado, aliás, sobre Educação, Política e Sociedade. E Madalena, lança um belo livro sobre Mogi das Cruzes colonial, assunto a que se dedicou durante anos de pesquisa. Nossa felicidade de pais destes dois, é a compensação dos esforços de todos. É por isso que me irrita esse discurso de toque de recolher, além do discurso contra as palmadas.
Meus filhos não precisaram apanhar. Sabiam que a relação pais/filhos não era horizontal, e sim, vertical. Eles estavam lá para serem protegidos; nós, para educá-los e estimulá-los nas carreiras que escolhessem.
Agora que estamos mais velhos, muitas vezes somos importunados por uma garotada infernal que joga futebol na rua e estraga nossos portões. As mães assistem suas novelas. Mas, quando vejo jovens importunando os outros, sei que meu bairro não tem um único lugar onde possam jogar e se divertir como precisam. São órfãos de pais vivos e cidadãos sem governo que lhes ofereça destino. Assim, dane-se o Tobias, dane-se o Lula, danem-se os pais irresponsáveis. Educação requer cuidados especiais, tanto o Estado quanto as famílias tem igual responsabilidade. Precisam pensar que colocar filhos no mundo exige doação de si mesmo durante muitos anos. E o Estado, que se descaracterizou porque transferiu suas funções às empresas multinacionais, perdeu de vez sua autoridade. Às empresas, interessa apenas criar exército de mão de obra de reserva, para, no futuro abortar inconformismo de trabalhadores mal pagos.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

ATO FALHO

Não existe sobre o planeta uma só pessoa que em qualquer momento de sua vida não tenha cometido o seu “Ato Falho”. A expressão em si traduz um conceito psicológico, ou seja, revela conteúdos inapropriados que remetem a uma situação psicológica, seja de inadequação àquele tipo de pensamento, seja de cansaço na operação dos fatos cotidianos, enfim, uma bobagem que sai inadvertidamente sem a percepção imediata de que foi cometida. Aqui no Mogi News aconteceu algo parecido no jornal da última terça feira ( Caderno Brasil, pg. 1). A pessoa que inseriu e diagramou a matéria, por linearidade, escreveu “homenageadas” na nota superior e, “hemergentes”, na nota inferior. Depois, os textos correm tranqüilos, sem erros de ortografia. Claro, todo mundo percebeu que emergentes não tem e nunca teve o abominável “h” que lhe precedeu.
Como leitora contínua de jornais e revistas, me diverti muito com este equívoco, que pretendo chamar simplesmente de ato falho. Fiquei a me perguntar: quem teria diagramado e deixado passar a rata? Seria uma mocinha que adora aparelhar as coisas para dar um sentido estético de arrumação? Seria um funcionário cansado que bateu os olhos no parágrafo de cima e projetou inconscientemente o título de baixo? Seria um assassino de textos (não serial) disposto a matar sua sede de sangue na complicada língua portuguesa? Ou então um revoltado social (quem não é?) que procurou dar este H aos emergentes para que eles apareçam e sejam ridicularizados com mais perfeição?
O fato é que os emergentes são chatos mesmo, e lhes caberia bem esse “H” de heliasta, de hematopoiético, de helminto ou de helmódone. Seria heresia que fosse heril usar esse “H” que não coube na imprensa? Deveria ir para a forca o corretor e levar junto o diagramador? De modo nenhum. Quem botou essa letra a mais nos emergentes poderia até estar tornando a categoria mais nobre do que realmente é, mesmo sabendo que os emergentes tiram caca do nariz e escondem debaixo da cadeira, furam lugar na fila e dizem que já estavam lá antes, arrotam em público e dizem-se extravagantes. Então, não há crime a punir neste ato falho do jornalista.
Um dos maiores escritores vivos da língua portuguesa, o maravilhoso Saramago, importunou-se tanto com as normas da redação que um dia pregou-lhe os pés nos fundilhos e passou a escrever sem parágrafos, pontos, vírgulas, dispondo do texto como as máquinas de escrever e os dinossáuricos computadores bem entendiam. Marcou um estilo próprio, difícil ao leitor, mas rico nas idéias, o que lhe valeu um Premio Nobel de literatura. O interessante foi ele ter escrito um livro inteiro, “O cerco de Lisboa”, apenas para contar do ato falho de um “não” que mudou a história de Portugal.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Cat Duet - Boys Choir

TROCAS E PRESENTES



As caravelas portuguesas que navegaram no Atlântico, tinham algumas necessidades básicas. A primeira, naturalmente, era encontrar lugares com bastante água potável para continuar viagem. Outra, era plantar em pontos estratégicos, uma planta que dava fibras para o resistente cordame que sustentava as velas dos navios. Desta planta, as mudas foram trazidas do Oriente, e se adaptaram admiravelmente bem no Brasil. Em contrapartida os navegantes levaram daqui para Europa, uma espécie vegetal que lhes tornaria a vida mais saborosa. Foi assim que ganhamos de presente a maconha e demos em troca o tabaco aos europeus.
O efeito da canabis era já conhecido no Próximo Oriente. Dela retiravam uma resina à qual davam o nome de haxixe, e alegavam que o haxixe tornava os guerreiros mais valentes. Esses guerreiros infiéis receberam por isso o nome de haxixinos, donde temos o aportuguesado termo assassinos. Mas aqui no Brasil, o uso da erva não chegou tão longe. Quando muito, nos tempos coloniais, os escravos faziam um cigarrinho para pitar à noite na senzala e, quem sabe, sonhar com sua liberdade perdida.
Na metade do século XX, fumar maconha era coisa de batedor de carteira e, nem de longe alguém pensaria que, em um quarto de século ela estaria no topo das experiências juvenis. Conta a lenda que os Beatles fumaram-na dentro do castelo de Windsor quando foram condecorados pela rainha. E, no famoso festival de Woodstock, o que mais se via era gente curtindo seu barato na imensidão do campo norte-americano. Dali para frente, as aventuras começaram a se tornar mais perigosas. Outras drogas mais pesadas foram sendo consumidas e o problema da dependência se tornou uma questão de saúde pública.
Assim, estamos no lucro. Não se descobriu um único uso farmacológico para o tabaco, mas a erva da maconha, em contrapartida, vem sendo estudada e mesmo utilizada com finalidades terapêuticas. No entanto, no Brasil isso não acontece, pois as barreiras legais até permitem pesquisa, mas ainda não autorizam o uso de medicação com esse princípio ativo. O Dr. Carlini, por exemplo, é um dos estudiosos em pauta. Com ele estiveram José Rosemberg, José Elias Murad entre tantos, mas infelizmente aqui a lei corre em velocidade menor que a ciência. Assim, ficam sem esse possível tratamento, os portadores de esclerose múltipla, entre outros.
As drogas tem que ser pensadas, e não satanizadas. Avoco o milagre da experiência dos ancestrais. Os índios usavam curare para matar. Mais tarde, os pesquisadores descobriram o fantástico uso dos curarizantes para promover relaxamento muscular e facilitar, por ex., a intubação traqueal em pacientes necessitados. Foi um sucesso, que devemos à cultura tupiniquim.
Ivone Marques Dias

Retorno ao site

É bom voltar. De vez em quando a gente tira um tempo para ficar longe da telinha e então não se dá conta de que o tempo corre demais. Pois foi assim que desde janeiro só fiz ler escritores africanos, os quais me deixaram profundamente feliz com sua descoberta. Mia Couto, é irresistível; Pepetela me passa um sabor de fruta. Agualusa da-me arrepios. Le Clésio e Coeetze me embriagam. Muitos outros podem ir à lista, mas de agora em diante vou falar de cada um à sua hora. Não excluirei nem Karen Blixen nem Antonio Olinto, que, apesar de virem de longe, viveram a Mama`África tão intensamente.
Se acaso voce tiver o que dizer dessa literatura, mande-me para que eu inclua no Blog.
Ivone

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Haiti

2010 começou sob o signo da desgraça. Ninguém pode falar que o sofrimento dos Haitianos não é de todos. Pior, há quem se proponha a ajudar, mas a logística é precária. Lembrei-me da música de 1993 de Caetano e Gil, que termina assim:
Pense no Haiti
Reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui.