terça-feira, 25 de setembro de 2012

MAIS UMA GRANDE PAIXÃO

Nestas últimas semanas fiquei apaixonada. Ao vê-lo, meu coração se encantou. E ele, lindo, sério, de quando em vez levanta e senta. Sentado, estica as pernas num pequeno banco. De pé, cruza os braços no espaldar da cadeira e faz seus movimentos de maneira tão natural que parece mesmo estar sentado em minha sala de visitas. Ele deve ter aproximadamente a minha idade, usa óculos, tem a pele negra como a dos Africanos que aqui chegaram um dia, fala vários idiomas diferentes, e porta com garbo a toga de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Pois bem, o alvo desta paixão é o Senhor Doutor Joaquim Barbosa, relator do Processo do chamado Mensalão.

Nada lhe falta. Tem uma capacidade de articulação de um historiador experiente, capaz de cruzar milhares de dados e, concluir pelo menos em parte o quadro sinistro da corrupção em nosso país. Ele senta e levanta durante a leitura das conclusões, pois tem um severo problema de coluna, mas isso não é suficiente para afastá-lo da tarefa mais nobre que lhe foi delegada: separar o joio do trigo nas altas esferas do governo.

A corrupção política deste país, nasceu com ele. Desde os dados escamoteados sobre a descoberta até os desvios de pagamento de impostos, desde o sumiço deslavado do nosso ouro até o uso dos diamantes, o Brasil jamais conheceu uma única fase sem corrupção. Há quem sustente que não ocorriam atos desta natureza durante a ditadura militar. Mentira cabeluda. A Ponte Rio-Niteroi enriqueceu ministros e empreiteiras; as hidroelétricas, idem. Nos dias de hoje, o que vemos são as mesmas empreiteiras fazendo obras para o governo, mas duvido que tenham mudado seu modo de agir. Pelo contrário, fizeram escola e ensinaram a lição do roubo do dinheiro público a muitos outros. E, quando veio a abertura política, o cérebro do cidadão comum havia sido lavado de todo e qualquer espírito crítico. Pior, havia se popularizado a famosa Lei de Gerson, “aquele que gosta de levar vantagem em tudo”. Péssimo celeiro humano para se trabalhar a educação e a civilidade. O ensino caiu o nível a patamares infernais, bem como infernais se tornaram as salas de aula.

Houve um empobrecimento vocabular que tornou a escrita e a leitura em duas entidades difíceis de conquistar. Os símbolos foram impostos para reconhecimento das coisas e lugares, enfim, a linguagem ficou restrita a uma parcela pequena da população, a qual não consegue mesmo ler uma bula de remédio e prefere os filmes dublados aos legendados pois não tem a rapidez de ler as traduções convencionais. Num ato de populismo criaram regime de cotas para gente oriunda do ensino público e afro-descendentes. Antigamente, eu lembro bem, o ensino público era celeiro de bons intelectos. Depois, com a chamada democratização do ensino, prostituiram a profundidade da formação de mestres e alunos, então as entidades particulares passaram a albergar os que precisavam de uma base escolar melhor.

Está aí a minha mais nova paixão para provar os equívocos. Ele é negro e sábio. Para assistir suas leituras fico horas hipnotizada frente ao Canal 6. E ali, à vista de toda a gente interessada, ele condena os gangsters deste país, sendo seguido pelos demais ministros com pequeninas alterações de juízo.

É esse Brasil novo que eu quero para mim. Se não, pelo menos para os meus filhos e netos.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

DE VOLTA ÀS ORIGENS

 Desde que Eva comeu a maçã e fez Adão cooptar com seu pecado, todas, inclusive eu, fomos destinadas a sangrar todo mês e a parir nossos filhos com dor. Mas a cosmogonia judaico-cristã não deixou bem claro quem deveria tutelar nossa inteligência. Isso porque talvez estivesse implícito nas escrituras que o homem era sempre o detentor do saber. Mas eu queria as mesmas armas dos machos da espécie. Também mordi da maçã e senti seu gosto maravilhoso.E, daí por diante, minha cabeça passou a aprender coisas direcionadas por incríveis demônios tutelares.

Tive vários demônios tutelares. O mais incrível deles foi um professor da faculdade que possuía uma especial aversão às normas de funcionamento da instituição. Ele chamava-se Pedro Moacyr Campos, e posso dizer sem medo que ele foi um dos demônios tutelares mais fortes sobre a minha cabeça, ou seja, ensinou-me a pensar de verdade. É claro que antes deles alguns homens já haviam me dito coisas importantes: para um namorado que tive no primeiro ano da faculdade, eu só seria uma mulher de verdade quando tivesse lido Marx direito. Confesso que, por aqueles anos eu li apenas o Manifesto Comunista, as Teses contra Feuerbach, além de uns excertos do Capital, permanecendo incompleta. Por outro lado, meu pai me dizia que eu só seria uma mulher completa quando fosse mãe. Fui mãe três vezes, mas dos benditos frutos do meu ventre, um morreu e os outros adquiriram estrela própria. Agora, voltando ao Pedro Moacyr, ele não tinha nenhuma destas verdades prontas e absurdas.

Era um homem baixo que tinha uma risada avassaladora. Gostei dele e ele de mim. Nossa turma era dividida: Havia os que o temiam pelas críticas terríveis, e havia os que viam nisso a altura do seu saber. Entre as críticas mordazes, vi uma que foi definitiva para a vida de uma moça: era uma japonesa linda, que no seminário só falou bobagens. Ele então olhou para ela e limitou-se a dizer:”Que pena. E é tão bonita!”. A moça abandonou a faculdade e fez um casamento com homem próspero.

Tinha sido amigo pessoal de Hermann Hesse, havia lecionado no Japão e na Alemanha, tinha uma postura absolutamente existencial frente à vida e, me conclamava a ler Mishima, Hesse e outros. Quando conclui o curso, resolvi fazer pós graduação tendo-o como orientador. Porém naquele mesmo ano de 1969, comecei a ter uma série de problemas políticos, e até 1973 fui presa várias vezes. E ele me protegeu o quanto pode.

Pedro tinha uma idéia fixa na cabeça. Dizia que, “quando sua curva de decadência pessoal se iniciasse, ele poria fim à vida”. Achávamos que era um mero jogo de cena. Algum tempo depois, seu filho único faleceu. Fui à missa de sétimo dia e ele estava lá, imperturbável. Ao me ver, pegou-me pela mão e disse: Vamos fugir daqui que eu não suporto essas conversas com o deus numero um. Saí com ele. Olhou-me frontalmente e disse: “ Estou quites com a poluição demográfica”...Retorqui: “De modo algum. E o que você deixa para mim e meus colegas? Então, é um homem que só acredita na continuidade do plasma germinativo?”... e ele sério, respondeu: “Vira essa boca para lá!”.

Pois foi assim. Em 1977, aos 57 anos de idade, por princípio, ingeriu uma capsula de cianureto.E quanto a mim, devo a ele minha total abertura à erudição. Sou medievalista, como ele foi, e a mim, todas as portas se abrem.

Observação: Por conta das prisões políticas e mudança de orientador após a morte de Pedro, defendi meu doutorado em 15 de maio de 1985, na Universidade de São Paulo, e depois fui, por concurso de Provas e Títulos, Professora e orientadora de História Medieval na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Meus discípulos, portanto, são netos do Pedro Moacyr Campos, meu querido demônio tutelar.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

DE VOLTA A SÃO PAULO



Eu tinha uma consulta marcada no Hospital A.C.Camargo para fazer a revisão de um câncer de pele que retirei do alto do nariz numa cirurgia muito feliz. Era apenas um carcinoma basocelular, sem maiores implicações, mas isso culminou com a retirada de um bife de 7 centímetros de comprimento por um centímetro de largura, uma sutura tão bem feita que nem lembro mais que tive este câncer. Ir ao A.C.Camargo é para mim um imenso prazer. O hospital está super organizado, nem lembra aquele que conheci a vinte anos atrás. Na verdade, virou Instituto de Pesquisa.

Depois, fiz um passeio à Livraria Cultura do Conjunto Nacional para pescar alguma leitura mais. Em seguida, fui para a casa da minha amiga- irmã Ignez, viúva do meu querido orientador de doutorado. Ela tem um belíssimo apartamento no mesmo prédio em que mora o recém-casado Pelé, mas uma massa de edifícios cobre a visão do Masp, o museu dos encantos, tão bom é o seu acervo. E cada vez que fico aqui, sofro da nostalgia do paraíso perdido, pois moro em Mogi das Cruzes há 38 anos e gostaria que neste tempo, a nossa interiorana cidade tivesse mais ganhos em vida cidadã.

Eu não queria o Pelé morando na velha Mogi pois nada acrescentaria. Mas, cá entre nós, uma livraria como a Cultura, mesmo sem as proporções descomunais, mas com um acervo decente, seria um regalo. Gostaria também de um museu competente. Tenho certeza que ele custaria bem menos que a duplicação da estrada do Mar, para atender as filas inacabáveis de gente que quer lavar o trazeiro nas águas salgadas para depois voltar correndo ao trabalho.

São Paulo tem vida pulsando o tempo todo. Há pontos de encontro para todos os bolsos e todas as intenções. E a nossa velha Mogi, a que se restringiu? A acabar com os lugares onde a juventude com menos dinheiro possa se reunir para os seus debates sobre a realidade do país, a grandeza de um cineasta, enfim, bares para cabeças, sem som alto e sem os apelos de futuros encontros de namorados. Sinto em Mogi esta falta. O centro histórico que bem se prestaria a esse tipo de boêmia e revolução, virou um lugar morto na noite, e os jovens mais papo cabeça, não tem onde se encontrar. Parece que ficou fora de moda dialogar em público. Ou então, há uma paranoia que leva as autoridades a temer que dessas discussões boêmias apareça algum espírito crítico e que a ordem possa ser subvertida.

Então, ficamos assim: artistas, escritores, leitores, intelectuais, pessoas que gostam de reciclar o saber e as opiniões, estes não tem um lugar para se reunir, pois os points se deslocaram para a cidade alta onde estão à altura dos sons que produzem. Lá as loiras (burras ou não) paqueram rapazes sarados (tontos ou não), conforme a batida do som tonitruante.

Falar em cinema em Mogi é quase uma piada de mau gosto. Filmes para a criançada e os mais sérios em sessões únicas, somente à noite. É por isso que eu gosto de São Paulo. Tem tudo para todos os gostos. Esta megalópolis parece difícil, mas onde mais se poderia encontrar o Zubin Metha que reuniu os três Tenores? Onde uma Sala São Paulo ou um teatro Municipal digno? Não peço tanto a Mogi, mas sua arrecadação dá seguramente para construir e manter um centro cultural que seja o ponto de encontro daqueles que tem a cabeça tão inquieta quanto a minha.

Mogi das Cruzes tem aproximadamente 400.000 habitantes.


quarta-feira, 5 de setembro de 2012

INDEPENDÊNCIA OU MORTE

Amanhã tem feriado nacional. Dia da Pátria, comemora o 7 de Setembro de 1822, data em que D. Pedro proclamou a independência de nossa terra com o grito do Ipiranga. Soberbo, o próprio imperador sentou-se à pianola e compôs o Hino da Independência, seja lá o que se entende por independência nesta terra. Ah, é verdade, separamo-nos de Portugal, da metrópole sequiosa de nossos recursos econômicos, e depois, entregamos esses mesmos recursos aos ingleses que cobraram caro o reconhecimento desta nova nação. Aqui houve resistência lusitana, mas das guerras de independência, o Brasil safou-se bem. Uns poucos mortos, outros tantos feridos. Não podemos esquecer aqueles que, mesmo após o grito de D.Pedro, continuavam escravos sem direito à própria liberdade. E o Imperador, não podia descontentar a aristocracia da terra, pois mão de obra era fundamental para o “progresso” da vida do país. E assim foi. Os negros continuaram tingindo nosso solo de sangue durante mais 66 anos, até que a neta do Imperador assinasse a abolição da escravatura. Então, que raio de independência foi esta? Independência que mata, que humilha, que degrada, e, pior, que vai pouco a pouco delegando os bens nacionais a estrangeiros, como os vizinhos do norte, da terra do Tio Sam? Para falar a verdade, abolida a escravidão, não foram abolidos os traços de exploração sobre o Brasil. E assim continuou ele, República em diante. De lá para cá, quanto estrangeiro não teria espoliado nossas terras de suas riquezas? E os governos, constituídos na base do coronelismo, enxada e voto, também não deixaram nossa terra dormir na miséria durante muitos anos? Quanto tempo não teria levado para que os Afro-descendentes requeressem um pingo de justiça pelo que seus ancestrais sofreram nas mãos dos senhores de lavras e engenhos? Parece-me que ainda não foi possível resgatar essas dívidas todas.

Porém, do lado de lá do Atlântico, Portugal tinha mais colônias. Tinha Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe na África, sem falar no Timor Leste e outras terrinhas mais. No início do século XX, ao abolir a monarquia portuguesa, o governo foi parar numa ditadura fascista que jogou o povo português numa repressão sem medidas. Criou-se uma polícia política, a PIDE, que não hesitava em caçar torturar e exterminar opositores ao governo Salazarista. Deixaram a Portugal uma última alternativa, a de se apegar ao catolicismo, então reforçado com os aparecimentos de Fátima, em 1917. Visitei uma das prisões de Salazar. Construída com pedras à beira mar, levava os prisioneiros à morte, pois na subida da maré, as ondas batiam nos paredões tornando o ambiente insalubre. E havia pessoas que diziam ser aquela uma ditadurazinha honesta... Ao correr do século XX, as colônias da África puseram-se a rebelar. Terras inóspitas, viraram cenário de guerrilha rural, e depois,lugares de lutas tribais.

Quando Salazar morreu, foi substituído por Marcelo Caetano, que seguia a mesma linha de governo. Num certo momento, em 1974, os próprios portugueses não aceitaram mais tal contingência e, com a Revolução dos Cravos, as colônias africanas foram também se libertando. Com duras lutas, agora já crescem e podem dizer ao mundo quem são.E Marcelo Caetano, morreu no exílio, no Rio de Janeiro.Assim, os fantasmas se divertem.

                                          Gabinete Real de Leitura Português, no Rio de Janeiro.
                                               local onde foi velado o ditador Marcelo Caetano