sexta-feira, 26 de julho de 2013

SEMANA DE SONHOS E PESADELOS



Nesta semana que passou aconteceu tudo neste mundo. Começou com o tombo da Odete Roitmann num buraco de calçada no Rio, que lhe custou uma horrenda cara roxa e o repuxamento de todas as plásticas feitas ao longo das últimas décadas. Ela está vociferando ameaças caso a prefeitura não conserte o objeto de sua desgraça (a cara ou a calçada), e protesta enquanto o Sumo Pontífice Francisco caminha simpaticamente de papamóvel pelas ruas nojentas do Rio e é saudado por milhões de seus fiéis.

O Papa foi a Aparecida do Norte e o povo enfrentou a chuva, fora o frio glacial, só para ver sua Santidade e receber sua longínqua benção. E ele parece imperturbável, mostra-se sorridente pois não foi convidado a comer nenhuma coxinha frita nos postos de gasolina perto do santuário. Se fosse, conheceria de perto como funciona o intestino do brasileiro médio. Então ele volta para o Rio; sorri sempre e beija as criancinhas e faz seus discursos. Inegável sua verdade maior:- é na mão dos jovens que está o futuro do mundo! Enquanto isso o pau come em Roma por conta dos escândalos do Vaticano. Assim, eu diria que, mesmo com o frio e a infra-estrutura sanitária porca do Rio de Janeiro, ele tem motivos para sorrir. Primeiro porque é humilde, depois porque não precisa enfrentar o quebra pau de manifestantes que sucedeu seu passeio e, finalmente, porque é um monarca sem concorrência neste lugar. Aqui pode haver bispos, pastores, guias espirituais, políticos corruptos ou não,  mas não há nenhum monarca como ele.

Aliás, esta é a semana das monarquias. Em Londres, veio ao mundo o garoto Sua Alteza Real o Príncipe de Cambridge George Alexander Louis, terceiro na linha de sucessão no governo da velha Inglaterra. Foi como um conto de fadas, e os mais mal-humorados da mídia eletrônica jogaram xingamentos contra a expectativa do mundo neste nascimento aristocrático. Ora, deixa o povo sonhar. Por que razão haveremos de botar na cara um mau humor dos diabos quando o menino nasceu forte, neto de Di e primeiro filho de Kate e William? Queriam um terremoto como o de Lisboa em 1755 seguido de dois tsunamis? Enfim, há perfil para tudo.

Falei em monarquias. Sim, a diferença entre o Papa e o pequeno George está no tipo da monarquia. O Papa é Monarca Vitalício eleito pelo Colégio Cardinalício. O menino que nasceu é o terceiro na linha sucessória de uma monarquia parlamentar onde os bens da família real não são misturados aos bens do tesouro nacional inglês.

O direito ao sonho é um direito inalienável, cabe a todos e, os bons conhecimentos de imaginário coletivo ainda nos levam de volta ao mundo da Cinderela e da justiça verdadeira entre os homens. Odete, você não é a única mortal vítima do descaso e da incúria dos nossos governos.



  

quinta-feira, 18 de julho de 2013

A CONSISTÊNCIA DOS PROTESTOS

Eu tinha feito um juramento para São Guinefort que prometia não falar em protestos desde que eles haviam se tornado uma catarse popular em função de um monte de pequenos nadas. Devolveria o papo quando os protestos se tornassem consistentes se dirigindo a um pouco de grandes motivos, e é isso que parece estar acontecendo agora.

Saúde, educação, transporte, carestia, corrupção. OK. Agora temos um conjunto plausível de requerer barulho, e assim, o povo, tendo saído vitorioso da questão do preço do transporte,  agora tem uma frente ampla de reivindicações bem melhor delineada. Depois, cá entre nós, se é possível fazer os empresários abaixarem o preço da condução, ficou muito claro que também outras coisas são possíveis, como tratar dos assuntos referentes à saúde, escola e alimentação. Nestas demandas, o governo roda como um peru bêbado. Atos isolados não resolvem nada, e o dinheiro dos impostos foi malversado em corrupção e estádios de futebol. Meus ouvidos são bons. Ultimamente, quando tem um jogo importante qualquer, são poucos os que soltam rojões a comemorar. Então, o que foi que se mexeu na base das cabeças do povo? Teria sido a súbita consciência de que cadeia foi feita só para pobre, preto e puta? Ou então está toda a gente mergulhada até o pescoço de contas a pagar e o salário não é suficiente?

 Estaria eu enganada ou o objeto principal dos ataques seriam as grandes agências bancárias? Sim, elas coordenam qual marionetes as dívidas dos cartões de crédito, são o agente mais imediato entre o Ministério das Finanças e o povo. Não se pune os corruptos e estamos a parecer com a Grécia atual. E será que Brasília não percebe?

Quando o povo se enfurece, saem as tropas de choque com seu sadismo habitual para reprimir. Mas não adianta. Agora, a boiada estourou e é difícil de conter. Os sindicatos que haviam cooptado com o chamado governo da esquerda, não tem mais poder de barganha nem são respeitados pelos trabalhadores. Isso, naturalmente sem contar que existe uma massa de mão de obra ociosa que não vê saída para o desemprego. E daí, o que será dos nossos filhos? Então tudo se torna motivo de grandes paradas: Parada Gay, Evangélica, Movimento Passe Livre, Movimento dos Sem Terra. E agora, para dar parafuso na cabeça dos governantes, Paradas de tudo contra o que entendem estar errado. Difícil encontrar saída institucional para tudo. Então, que se leia a Constituição e cumpra-se a lei. Este é o básico. Depois, esqueça-se de grandiloqüências e foque-se em um problema de cada vez. Descartes tinha razão. Por partes se resolve tudo.


Ah, e quanto ao Santo Guinefort, foi o povo que o santificou no século XIII. Era um cachorro que salvou uma criança de ser atacada por uma grande serpente.




sexta-feira, 12 de julho de 2013

ESTE DEFUNTO É MEU



Por vezes somos levados a pensar que somos os donos das baixarias. Não é bem assim. Onde quer que haja seres humanos, a mesquinharia, a loucura, a falta de compostura estão presentes, pois são comportamentos típicos de toda a humanidade. Nos últimos tempos, um fato causou estranheza, pois envolvia um homem que mereceu o Prêmio Nobel da Paz.
Falo do Nelson Mandela, líder sul-africano, homem que se destacou pela luta contra o Apartheid, vegetou anos na cadeia por sua ousadia de entender que brancos e pretos tem os mesmos direitos.Agora, preso ao leito de um hospital,sabedor de sua condição de homem em fim de vida, deixou manifesto aos parentes que gostaria de ser sepultado no cemitério de Qunu, local onde foi criado e estão sepultados três dos seus filhos. É um desejo banal e simples, dentro da candura que sempre caracterizou o líder negro.
Mandela, nascido em 18 de julho de 1918 na aldeia de Mvezo, um dos rincões tribais da África do Sul, fez de sua vida uma constante luta pelos direitos humanos. Casou-se três vezes. Das primeiras duas mulheres,teve prole numerosa. Da última, Graça, viúva de Samora Machel, não estava mais em tempo de fazer vir ao mundo novos rebentos. Sua longevidade, no entanto, fez com que alguns dos seus filhos lhe antecedessem no reino dos mortos, e os três falecidos foram sepultados no cemitério de Qunu, aldeia muito cara a Mandela, pois ele foi criado lá.
Ora, o grande senhor dono de um dos mais nobres prêmios do planeta, já andava com a saúde bastante abalada quando, em 2011, um neto seu de nome Mandla, que aos 39 anos é deputado e, sendo o neto mais velho é o chefe da comunidade tribal do vilarejo de Mvezo, pressentindo a morte do velho líder, programou seu sepultamento em Mvezo, onde construiu um memorial e para onde levou os corpos dos três filhos já falecidos de Mandela. O que ele pretendia era dar notoriedade ao lugar onde tem o seu grupo, mas, recentemente, face ao provável falecimento do avô, os demais parentes constataram a exumação feita à sorrelfa pelo neto, e protestaram. Dezesseis deles foram à justiça e requereram o retorno dos exumados. Como o governo civil tem prioridade sobre as ordens dos chefes tribais, deram ganho de causa à família e, os três filhos de Mandela foram novamente exumados, retornando seus corpos para Qunu. Por outro lado, os chefes tribais dos Thembus querem acabar com a carreira política de Mandla, pois ele é acusado de ter praticado um homicídio em 2005.
Ter o corpo de Mandela sepultado onde quer que seja, dará ao lugar um destaque especial. Captará turistas, gerará dinheiro. Mas, vamos esperar. Afinal, Mandela, até hoje, 12 de julho, continua em sua lenta agonia, ainda não morreu e, assim, sua vontade será feita.


quinta-feira, 4 de julho de 2013

NOVE DE JULHO



Meu pai lutou na Revolução Constitucionalista de 1932. Por razões de ordem pessoal detestava falar no assunto. Na ocasião ele estava com 21 anos de idade e não havia possibilidade de se empregar em São Paulo. Por outro lado ele se nutria do ódio dos paulistanos contra a ditadura de Getúlio, muito parecida, aliás, com as que se desenvolveram na Europa, o Salazarismo, o Franquismo, o Fascismo e o Nazismo. Getúlio ocupava, segundo meu pai, uma versão sul americana desses ditadores europeus. Ele queria submeter o Estado de São Paulo, que possuía uma tradicional sociedade constitucionalista. Mas em São Paulo, as coisas não foram simples para Getúlio. Grandes manifestações de rua pediam uma Constituição e, destas manifestações surgiam conflitos que resultavam em vítimas fatais. Assim foi com a morte de Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo, jovens estudantes cujas iniciais dos nomes deram o MMDC que acompanhou a revolução até o fim e nos anos posteriores.
Nos anos posteriores São Paulo não aceitou a vitória de Getúlio, ocasionada por traições de tropas que se diziam aliadas e constitucionais. Desta forma, São Paulo ganhou um interventor e passou muitos anos digerindo o ódio desta derrota. E assim, ser constitucionalista significou muito aos paulistanos durante muitos anos, mesmo depois que a ditadura de Getúlio já fora para o brejo. Nove de julho sempre foi data comemorada (ou lamentada) por São Paulo. No ponto mais bonito da cidade, bem ali onde fica o Parque do Ibirapuera há o Obelisco, memorial aos mortos pela Constituição.
Meu pai lutou por acreditar na causa Paulista. Cavou trincheiras, dirigiu para oficiais e tropas, viu gente morrendo como cão abandonado, e por isso, travou a memória. Não gostava sequer de ouvir falar na Revolução. Mas o legalismo fazia parte do seu coração como nunca conheci outro. Ele, que me aparece nesta foto desbotada na porta da Igreja de Cunha, engoliu o fel da derrota. Regurgitou este fel depois de 1969, quando eu passei a ser perseguida pela ditadura dos militares. Foi meu fiel escudeiro, ouviu berros dos torturados no DOI CODI e gemeu comigo as dores do regime de exceção. Em 1973 levou com meu marido e outras pessoas amigas o cadáver do meu filho mais velho para ser sepultado no túmulo da família. Ele era a pessoa mais equilibrada de todas, não que seu coração sangrasse menos. Doía, eu sei, doía muito, ver o replay de  tanta estupidez pelos regimes de exceção. E eu, quase morta num hospital de São Paulo, era a sua filha a quem havia passado a lição de ordem e governo legal, sem tiranias ou excessos.
Meu pai era um homem lindo. Viveu até os 91 anos de idade e apagou como uma velinha ao vento. Jamais perdeu a lucidez que norteou sua vida. Quero honrá-lo hoje, o maior pai do mundo, o melhor soldado de 1932.