Meu pai lutou na Revolução Constitucionalista de
1932. Por razões de ordem pessoal detestava falar no assunto. Na ocasião ele
estava com 21 anos de idade e não havia possibilidade de se empregar em São
Paulo. Por outro lado ele se nutria do ódio dos paulistanos contra a ditadura
de Getúlio, muito parecida, aliás, com as que se desenvolveram na Europa, o
Salazarismo, o Franquismo, o Fascismo e o Nazismo. Getúlio ocupava, segundo meu
pai, uma versão sul americana desses ditadores europeus. Ele queria submeter o
Estado de São Paulo, que possuía uma tradicional sociedade constitucionalista.
Mas em São Paulo, as coisas não foram simples para Getúlio. Grandes
manifestações de rua pediam uma Constituição e, destas manifestações surgiam
conflitos que resultavam em vítimas fatais. Assim foi com a morte de Martins,
Miragaia, Dráuzio e Camargo, jovens estudantes cujas iniciais dos nomes deram o
MMDC que acompanhou a revolução até o fim e nos anos posteriores.
Nos anos posteriores São Paulo não aceitou a vitória
de Getúlio, ocasionada por traições de tropas que se diziam aliadas e
constitucionais. Desta forma, São Paulo ganhou um interventor e passou muitos
anos digerindo o ódio desta derrota. E assim, ser constitucionalista significou
muito aos paulistanos durante muitos anos, mesmo depois que a ditadura de
Getúlio já fora para o brejo. Nove de julho sempre foi data comemorada (ou
lamentada) por São Paulo. No ponto mais bonito da cidade, bem ali onde fica o
Parque do Ibirapuera há o Obelisco, memorial aos mortos pela Constituição.
Meu pai lutou por acreditar na causa Paulista. Cavou
trincheiras, dirigiu para oficiais e tropas, viu gente morrendo como cão
abandonado, e por isso, travou a memória. Não gostava sequer de ouvir falar na
Revolução. Mas o legalismo fazia parte do seu coração como nunca conheci outro.
Ele, que me aparece nesta foto desbotada na porta da Igreja de Cunha, engoliu o
fel da derrota. Regurgitou este fel depois de 1969, quando eu passei a ser
perseguida pela ditadura dos militares. Foi meu fiel escudeiro, ouviu berros
dos torturados no DOI CODI e gemeu comigo as dores do regime de exceção. Em
1973 levou com meu marido e outras pessoas amigas o cadáver do meu filho mais
velho para ser sepultado no túmulo da família. Ele era a pessoa mais equilibrada
de todas, não que seu coração sangrasse menos. Doía, eu sei, doía muito, ver o
replay de tanta estupidez pelos regimes
de exceção. E eu, quase morta num hospital de São Paulo, era a sua filha a quem
havia passado a lição de ordem e governo legal, sem tiranias ou excessos.
Meu pai era um homem lindo. Viveu até os 91 anos de
idade e apagou como uma velinha ao vento. Jamais perdeu a lucidez que norteou
sua vida. Quero honrá-lo hoje, o maior pai do mundo, o melhor soldado de 1932.
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