Depois de um tempo que não se fala em outras coisas
senão protestos – e eu até acho que as pessoas tem mais que mostrar a cara e
protestar mesmo – resolvi nesta semana falar de uma pessoa muito especial que
já não está entre os vivos, mas deixou uma lição de força e tenacidade, fora
uma obra cultural imorredoura.
Esta pessoa, de nome Farrokh Bulsara, nasceu em
1946 numa ilha de Zanzibar, exatamente na confluência entre África e Ásia, e
pertencia à uma classe privilegiada
pársi. Seu pai Bomi e sua mãe Jer eram funcionários da administração
britânica e, quando Farrokh completou 8 anos, após passar pela cerimônia
iniciática Navjote no templo do fogo dos
pársis do zoroastrismo, mandaram-no para um rigoroso colégio inglês em Bombaim,
onde ele se mostrou aluno aplicado. Gostava de desenho, matemática, música e
literatura; mesmo tendo uma educação rigidamente inglesa, mantinha ainda os
princípios dualistas zoroástricos e, por conta de um prognatismo no maxilar
superior que exibia seus dentes frontais com certo exagero, sofreu bulling no
colégio.
Era um solitário. Mais tarde, conseguiu impor-se aos colegas, porém,
apesar de sua sólida estrutura cultural que passou a incorporar conhecimentos
de cinema e ópera, Farrokh acabou não concluindo seus estudos por ter sido
denunciado por um colega sobre comportamentos que tendiam à homossexualidade.
Voltou a Zanzibar a tempo de assistir a episódios sangrentos contra os pársis,
então sua família mudou-se para Londres.
Foi em Londres que o poder criativo de Farrokh
desabrochou. Seu nome foi mudado para Freddie e ele começou a participar de
bandas musicais. Com uma delas, acabou tornando-se famoso. O patinho feio virou
cisne e era então o Freddie Mercury que liderava a banda “Queen”, tornada
sucesso devido à musicalidade bem equilibrada e à concepção cênica das
apresentações que ele mesmo desenhava previamente. Em sua vida musical, Freddie
enriqueceu muito.
Também mostrou seu lado bi-sexual, tendo uma mulher de nome
Mary que o acompanhou até o fim , e um caso fugaz com uma alemã, durante o
tempo em que morou numa mansão na Suiça. Suas apresentações musicais eram
apoteóticas; sua vida de shows exigia muito do músico cantor, que abusou do
álcool e da cocaína. Nada disso porém o derrubou. Como muitos da sua época, tornou-se
portador de AIDS, doença que o vitimaria em 1991, aos 45 anos.
Como posso, quase um quarto de século depois,
esquecer as performances dele e de Monserrat Caballé em Barcelona? Ou How Can I
Go On, com a mesma diva? Esse menino teria sobrevivido ao regime dos aiatolás?
Eu o celebro no entanto. Todo aquele que nega espaço ao diferente, está negando
à humanidade o direito à emoção e ao jogo confuso da vida. Pois a vida é assim.
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