quarta-feira, 29 de agosto de 2012

ANIVERSÁRIO DA CIDADE - MOGI DAS CRUZES

Perdoem-me os leitores, mas interrompo por uma semana os artigos sobre autores Africanos, pois temos neste sábado um feriado que merece nossa atenção. Tem 401 anos que Mogi das Cruzes foi sacramentada pelo poder Colonial. Este fato, para qualquer historiador de verdade, pode parecer banal, uma vez que, cotejado com os dados de análise arqueológica, apontam cerâmicas de contato entre índios e brancos exatamente por volta de 1610. Que houvesse antes gente na região, isso parece óbvio, pois há milhares de anos essa região era habitação ou passagem de indígenas. Assim, recuso a bobeira de que Mogi é quase tão velha quanto São Paulo, tem 450 anos e por aí vai. Nada disso. Sua certidão de nascimento é o Foral de 1611.

Sábado, é feriado em Mogi das Cruzes, mas, vale dizer que ele só tem sentido quando produz nas pessoas uma reflexão sobre o seu significado, e mais, quando as crianças tem acesso a esse conhecimento de maneira respeitosa, pois respeita-se nesse aniversário o que os antigos fizeram pela região. Isto quer dizer que temos o compromisso de ensinar aos outros que “somos anõezinhos no ombro de gigantes”, se levarmos em conta tudo o que se produziu por aqui nesses 401 anos de História do encontro multi-étnico.

Esta cidade desenvolvida inicialmente em formato cruciforme, apenas refletia ser produto do catolicismo mais fanático que havia na Europa: o de Portugal e o da Espanha. É bom que não se esqueçam os mogianos que, em 1611, Portugal e Espanha estavam unificados pois a morte de D. Sebastião, sem herdeiros, jogou Portugal de volta à Espanha dos Habsburgos, e assim ficaria até 1640. Os colonizadores tinham sobre suas cabeças o corpus legal das Ordenações Filipinas, e assim continuaram durante mais tempo do que Espanha dominou Portugal. A cidade era uma cruz. Do Largo do Rosário ao alto do Campo Santo, e da Igreja do Bom Jesus até a capela que ficava onde hoje é o Mogi D’Or, o traçado forma a cruz, em cujo miolo ficavam a catedral e o Carmo. Tente ver em fotos aéreas: A Paulo Frontin segue até ser interrompida pelos principais edifícios históricos,e prossegue pela Otto Unger. Esta reta, é cortada pela Dr Correia, formando assim a cruz em torno de cujos braços a cidade se desenvolveria.

Mas, nas últimas décadas, o ambiente citadino cresceu muito. A população ficou imensa, trazendo aos poderes públicos uma gama de necessidades novas que carecem de verbas e muito empenho. Vim para cá há 38 anos. Minha primeira visita à cidade foi desalentadora. Cidade feia, pensei. Sem saber onde comer algo, eu e meu marido paramos numa lanchonete chamada Pla-Pla, em frente à Praça Oswaldo Cruz. Lá comemos um hamburger “moscatel”, isto é, havia mais moscas no molho do que pode supor nossa higiene. Caramba, dissemos um ao outro, é aqui que vamos morar? Pois ficamos. E, em 38 anos, fomos vendo as coisas acontecerem. E a cidade não se movia apenas por conta do poder público. Tinha uma dinâmica própria, a sociedade aumentava e queria mais, muito mais. Esta é a parte mais importante. Renovam-se os pensamentos, o urbano se modifica. Temos capacidade de, por esforço nosso, melhorar muito mais a cidade em que criamos os nossos filhos. Sinto-me absolutamente identificada com o autonomismo. Vi a cidade ficar melhor, mesmo assim, aquém do que devia.
À Saúde e prosperidade do povo desta cidade, que merece respeito mas deve ter sempre os olhos bem abertos. Cada cidadão tem sua cota parte de colaboração para que a vida local siga harmônica.



quarta-feira, 22 de agosto de 2012

UM POUCO DE ALEGRIA





O Belo dispersa emoções negativas. Pelos olhos, e sem palavras, podemos alcançar uma delicada felicidade. Estas são as nossas pequenas aves. Atentem para o Beija-flor. Ele pesa apenas 15 gramas mas é o maior encanto dos nossos jardins. Eles gostam muito das flores de grevílea arbustiva. A CRIAÇÃO foi um ato poderoso de AMOR ...

O OUTRO LADO DO ESPELHO - I I

Comecei a falar dos escritores africanos por Pepetela, um Angolano do tempo do MPLA, hoje um professor universitário em Luanda, aos 71 anos de idade. Sua obra me parece impactante pois dá conta da História de Angola desde a colonização portuguesa até as lutas da independência. Ora, conseguida a libertação de Angola, os próprios participantes desta luta desentenderam-se quanto ao poder. Então, vieram para dentro deste país africano, tanto os soviéticos como os cubanos, para tentar auxiliar na implantação de um estado socialista.

Olhando para trás, vejo um povo sofrido. Os tribais, até o século XIX sujeitos ao tráfico da escravidão, ao desmanche das famílias, aos poderes coloniais e imperiais que os torturavam em terras como o Brasil, sofrimento do qual até hoje não se recuperaram os descendentes. É triste, por ex. ver o pelourinho na Bahia, com suas pedras assentadas as custas do sangue e do suor destes negros; não bastasse isso, ainda os senhores impuseram seus ritos católicos a povos que tinham religiões animistas, de forma que nas noites da senzala os batuques eram o que sobrava do que tinham de uma cultura roubada, espoliada pelos dominadores. Torturas sofisticadas com objetos crudelíssimos, mas na Mama África, eles tinham as selvas para correr, tinham suas disputas internas, porém eram senhores do seu próprio destino. Hoje, em meu país, fico comovida com a luta que os descendentes de escravos mantém pela reparação do erro colonial, e ainda, vejo preconceitos que me causam náuseas e me buscam o ódio no fundo do coração.

Mas lá, Angola foi se refazendo. Teve momentos difíceis, porem deu uma pobreza grande de moradores reduzidos às suas cubatas em aglomerados humanos mais tristes que a Rocinha. E deram também gente nova, de boa cepa. Sobre Angola, não posso deixar de comemorar o mais jovem escritor, poeta e romancista, “Ondjaki”, 35 anos de idade, compositor de umas pérolas que atendem ao leitor adulto e infanto-juvenil. Entre suas belas obras, cito “Quantas madrugadas tem a noite”, “Avó Dezanove e o segredo do soviético”, “Bom dia Camaradas”, “E se amanhã o medo” e bué de outras. Como, você não sabe o que é bué? Pois no português de Angola, corresponde a grande porção. Bonito, não é? Cubata é uma casinha pobre, e todos esses livros trazem no final um dicionário para se poder acompanhar as diferenças do português ao longo do mundo.

Mas, o que chama atenção nos livros de Ondjaki, é o fato de ele retratar a estadia dos Soviéticos e dos Cubanos em Angola. Os primeiros envolveram-se em grandes obras e os segundos, eram professores que iam para a sala de aula a fim de dar à criançada um lastro cultural compatível com suas necessidades. Lindos livros. Bordados com carinho no papel, deixam-nos perder a hora do compromisso pelo encantamento e a jovialidade das obras. Uma coisa que me deixou encantada foi o fato de descobrir que o governo paulista mandou para os professores um kit de livros, e entre eles veio “Bom dia Camaradas”, que conta do relacionamento das crianças com a professora a quem tratam de Camarada Professora e tem um relacionamento de amizade e respeito. Quem dera fosse assim no Brasil. Termino esta parte citando o próprio Ondjaki: “ a ramela é um caramelo que o olho usa pra nunca amargar...”(continua)
Esta é uma homenagem às Mães Pretas que deram seu leite para criar os filhos dos senhores. É uma gratidão e uma vergonha que não temos como apagar.

sábado, 18 de agosto de 2012

O OUTRO LADO DO ESPELHO



Tenho lido ultimamente autores Africanos. De Achebe, da Nigéria a Coetzee da África do Sul, naturalmente não podia deixar de lado os autores de língua portuguesa, como os Angolanos Luandino Vieira, Pepetela, Agualusa, Ondjaki; os moçambiquenhos Mia Couto, Paulina Chiziane entre outros, e até o autor de Cabo Verde, Germano de Almeida. São muitos. Hoje, vou dedicar meu artigo ao Pepetela, que é uma das minhas grandes paixões.

Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, nasceu em Benguela em 1941, branco, filho de antigos colonizadores. Por seus pensamentos políticos, foi exilado na Argélia onde estudou Sociologia. Depois, na guerra de independência de Angola, voltou para sua terra onde se tornou guerrilheiro do MPLA. Este movimento de libertação fez de Angola um país independente, muito embora a paz não tenha se reinstaurado logo após a separação desta colônia de Portugal. Os sectarismos políticos continuaram a provocar disputas internas, de modo que Angola restou um país que até hoje carece de muitos recursos para o seu equilíbrio interno.

O primeiro livro de Pepetela que li foi “ Mayombe”. Lançado em 1980, essa obra romanceia um foco da guerrilha personalizando os tipos de pessoas diferentes que faziam parte daquele núcleo, sempre em luta contra os Tugas (portugueses) num meio geográfico hostil, com acampamentos nas selvas e pontos de apoio citadinos. A variada gama de guerrilheiros e ativistas políticos, levou-me à fatal comparação com as questões humanas enfrentadas no Brasil pelos grupos que se propuseram a lutar contra a ditadura militar. Fiquei em choque. Li o perfil de antigos companheiros naquela narrativa cheia de humanidade e dor. Mayombe me fez entender que o ser humano é na verdade uma soma de contingências e emoções que a razão nem sempre consegue controlar. Minhas feridas internas voltaram a doer, mas eu seguia a leitura, achava necessário tecer essa infausta comparação. Depois, peguei outros livros de Pepetela: A Parábola do Cágado Velho, Predadores, O Planalto e a Estepe, O Quase Fim do Mundo. Dois livros, ainda que escritos em épocas diferentes, chamaram-me a atenção pela excelência e pelo significado que guardam para quem quer entender um pouco mais da História do Brasil.

Um deles, recentemente lançado, levou o título “A Sul.O Sombreiro”, fala da conquista de Angola por Portugueses. Dominar a região, desde Luanda até Benguela, era uma tarefa dificílima, pois as febres matavam os aventureiros em grande número. Além disso, o terreno era difícil, e o território Angolano cortado pelo Rio Kwanza era repleto de grupos humanos chefiados por Sobas, com quem os portugueses poderiam se entender ou não. Esses grupos guerreavam entre si, aprisionavam gente dos grupos rivais que eram vendidos a traficantes de escravos e depois embarcados para trabalhar na lavoura do nordeste brasileiro. Pumbeiros eram os traficantes, especializados em buscar os prisioneiros e vendê-los para o embarque.

Este livro remeteu-me a outro que Pepetela escrevera uma década antes: “A Gloriosa Família. O Tempo dos Flamengos”, que retrata o mesmo processo na época da dominação holandesa no Brasil e, por extensão, em Angola. Enfim, toda a Europa se embriagando no mesmo gargalo desumano. (Continua)

SOU DONA DA MINHA ALMA

Mesmo sem ter a genialidade dela, tomo o melhor de Virginia Woolf para lembrar que a autonomia de pensamento é talvez a maior jóia que foi concedida à espécie humana. No tempo da grande escritora, o mundo passara pela revolução industrial, colocara as mulheres no mercado de trabalho, no entanto, em plena crise de 1929 e, uma década antes da Segunda Guerra Mundial, as mulheres que escreviam eram poucas. São muitas as mulheres que trabalham, mas poucas as que tem espaço na linha de produção intelectual, pois a sociedade continua oferecendo aos homens o melhor lugar na gestão intelectual, relegando às fêmeas o papel de tarefeiras, obedientes às normas e capacitadas a se desdobrar nos vários papeis que cumprem: o de matrizeiras de nova mão de obra para o futuro, de funcionárias dedicadas, de lavadeiras e cozinheiras competentes nas tarefas do lar.

Há muito tempo rompi com essa roda viva. Para ser dona da minha alma como dizia Virginia, fui aos poucos abrindo mão de uma série de papéis femininos e tive que ajudar a criar um novo homem, tão capaz quanto eu de praticar tarefas da vidinha do dia-a- dia. Não sem reprovas da família e de pessoas conhecidas, mas com a tranqüilidade que a vida intelectual necessita. E então, como tantas outras mulheres em busca de novos espaços, passei a fazer parte de uma camada feminina que até hoje é vista com olhos intimidadores por parte dos outros. Quer saber? Se sou dona da minha alma não devo nada a ninguém e vivo respondendo às demandas da vida com a minha visão de mundo, e não com a visão que tentam implantar em mim as variadas mídias. Respondo pelos meus critérios pessoais. Não há auto-ajuda, nem religião, nem sectarismo político a reger meus atos. Mas que os outros tentam, lá isso tentam mesmo, muito embora eu não lhes dê ouvidos.

Agora, estamos em plena campanha eleitoral (no tempo de Virginia ela era apenas sufragista, ou seja, lutava pelo voto feminino), busco vislumbrar uma saída para as crises que vivemos. No plano nacional, por outro lado, julga-se o processo do mensalão. Será alguém punido pelo que fez? No Brasil o povo já duvida de tudo e até mesmo se aliena. Mas as coisas este ano não tem visibilidade apenas por um processo ou uma época eleitoral. Aconteceu que, por caprichos do céu, a safra de milho e a da soja foi espetacular. Enquanto isso, em terras do Tio Sam, a seca fez o milho secar nos campos e a soja não vazou com tanta fluidez. Então, como comerão seus sucrilhos matinais os arrogantes vizinhos do norte? Será que terão capacidade de escrever seus poemas sobre o chão de terra estorricada? E o porquinho do bacon do breakfast, que comerá ele se as rações escasseiam? Ora, abram-se as caixas, peguem dinheiro e comprem os excedentes do Brasil.

Em nossa terra também existem crises. A nossa repousa sobre o tripé da Droga, da Corrupção e da Alienação Social. Então, agora é a hora de quebrar as pernas deste nefasto suporte do sofrimento da população. Estou conclamando você, meu leitor. Pense nas formas de trocar o nosso milho pela boa educação das crianças. É possível sim. Seja você também dono ou dona de sua alma. Quando quiserem cooptar seu voto, peça a definição política do seu candidato. E depois, mesmo sabendo que dias difíceis sempre virão, pelo menos durma em paz.

                                                  Virginia Woolf      1882-1941

HAVIA UMA PEDRA NO CAMINHO





Conheci de certa feita um senhor que padecia de uma doença degenerativa chamada Mal de Corino de Andrade. Este senhor tinha uma angustia permanente: casado, pai de dois filhos, a maior parte da família já fora ceifada pela tal doença; para ele, restava apenas esperar o fim, amargo como fora o de seu pai e de suas irmãs. Apesar da cadeira de rodas e das mãos em garra que mal sustentavam uma colher, ele punha a cabeça para trabalhar e inventava coisas que até Deus duvida. Os fatos aqui relatados aconteceram por volta de 1975, os arquivos atestam. O doente morava com a esposa e os filhos numa casa boa, de dois quartos amplos e demais dependências, como as demais casas da rua. Como havia um bom tempo que morava lá, tinha feito amizade forte com a vizinhança, e todos os fins de tarde lá ia ele para conversar. Enfim, ia levando a vida da melhor maneira que podia. Só não se conformava com uma coisa. Seu quintal na parte de trás da casa era menor que os outros, pois ali havia uma enorme pedra que os homens da construção resolveram não tirar dali, com medo de desestabilizar o terreno. E essa pedra, parecia estar instalada dentro do sapato do doente, tal a maneira que lhe incomodava. Várias vezes falou em retirá-la , mas sua vontade, passava por uma obsessão do infeliz que, como todos sabiam, jamais voltaria a andar livremente pelo bairro. Ou, numa ótica mais generosa, talvez ele quisesse mesmo era dilatar o espaço que sua cadeira de rodas podia alcançar. Muitas vezes a mulher lhe disse: que tanto lhe incomoda essa pedra? Sabe, no fundo eu até gosto dela, pois ela é bem lavadinha e eu ponho roupa para quarar na parte mais baixa. Quarar roupa, respondia ele, só mesmo duma mulher tonta podia vir essa idéia. Lá, eu mandava fazer um lindo gramado e ganhavas mais espaço.

O fato é que no meio do caminho havia uma pedra. Aborrecedora e desafiante.

Foi por essa época que em São Paulo inauguraram a técnica da implosão de edifícios, e ele viu pela televisão como veio abaixo um enorme edifício, sem comprometer os prédios ao lado. Então, sua mente desocupada passou à gestação de um plano ousado: implodir a pedra que tanto lhe aborrecia. Um dia, chamou em casa um baianinho que trabalhava nas pedreiras de Tremembé, e com lábia de doente carente, pediu ao rapaz que lhe arrumasse algumas bananas de dinamite. O baianinho, que se achava entendido no assunto, correu a lhe ajudar. Trouxe o dinamite, furou a pedra como fazia na pedreira, encaixou o explosivo e cobriu tudo. Os vizinhos foram todos chamados para ver a implosão, e, crédulos, vieram, se colocaram a prudente distancia. Então, num domingo cedo, os dois fizeram detonar as bombas. Foi uma poeira dos diabos, e quando a poeira assentou, descobriram horrorizados os vizinhos, que a pedra continuava no mesmo lugar, mas suas casas estavam literalmente destruídas. O baianinho fugiu. E a polícia não teve como punir o doente que já estava condenado à morte pela própria natureza. Tudo isso é tão verdade como eu me chamar Ivone.