quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

CRIMES E PECADOS

Foi matéria de muitos números do jornal, a implacável luta dos moradores e comerciantes contra as atividades vis praticadas no “Quadrilátero do Pecado”.Como quis o destino que eu acabasse me pós doutorando em questões do corpo como elemento de exclusão social, entendo que é hora de tecer alguns comentários.

Em primeiro lugar, não existe nesta cidade um quadrilátero do pecado. O que existe é uma área próxima “a estação de trem e terminal de ônibus que, como em qualquer cidade, acaba sendo o lugar de “alívio” dos viajantes mais afoitos. Daí, nesta região, concentrarem-se profissionais do sexo para todas as preferências da clientela. E isso, por si só, não é crime. É apenas o indicador de um grupo de marginalizados que estão a carecer de alguma atenção especial. Cometeu-se o equívoco de colocar as prostitutas como delinqüentes, o que não é correto. Segundo a “Enciclopaedia of Social Sciences, elas pertencem simplesmente ao grupo de exclusão social nas sociedades ocidentais, e, como a maioria vem de extrações menos privilegiadas do povo, não tiveram acesso ao “saber” ou às normas de uma vida mais condizente. Ou então, foram simplesmente desovadas nesse meio porque nenhum emprego as aceitou, afinal, o capitalismo selvagem é cruel com os menos ajaezados. Quem delinqüe nesse meio, são os proxenetas, os donos de lugares infectos onde elas vendem seus corpos, mas, posso garantir que, passando em lugares pouco mais distantes do tal quadrilátero, já vi homens se felando nos degraus de lojas fechadas do centro de Mogi. Vi também meninas em pleno intercurso com coleguinhas de escola, atrás de muros onde as rondas não são constantes. Sexo público. É disso que tratam os ultrajados. E no dito quadrilátero, existe supostamente a cobrança de pedágio aos moradores, sem falar da lei do silêncio que é desrespeitada todo o tempo. Ora, agora entramos sim no mundo do crime. Cercear o direito de ir e vir é crime. Desrespeitar a lei do silêncio também é, passível de multas e interdição dos estabelecimentos.

Na Idade Média, era a Igreja católica que controlava a prostituição. Ela entendia que as mulheres da vida tinham imensa utilidade social, pois os homens que vinham às cidades fazer negócios, ficavam mais calmos depois de passarem por um prostíbulo, enfim, as prostitutas funcionavam como mediadoras da violência entre os homens, sendo pois consideradas um mal necessário. Esta visão é cruel, uma vez que eram igualmente estigmatizadas. No entanto, a profissão se manteve durante os séculos para que os rapazes preservassem então a pureza de suas futuras esposas. E depois de casados, continuavam freqüentando os bordéis pois as mulheres de lá eram mais agradáveis do que as mães dos seus filhos. E hoje, por que existem putas? Ora, mesmo em tempos de sexo bem liberal, elas existem porque tem quem as freqüente. Isso mesmo, para exigirmos a continência das mulheres, temos também que exigir a dos homens. Eles não valem um traque a mais do que as mulheres.

Isso tudo se aplica também ao caso dos drogados, que vão às faculdades, aos bailes chiques e também às baladas simples da vida. Se não tivessem a compulsão pela droga, não haveria traficantes, portanto, não viveríamos em guerra civil. O Brasil só precisa de uma coisa. Deixar de ser cínico e tornar-se sério quando enfrenta os seus problemas.

OK, LEITORES, TANTA COISA PARA SE OCUPAR E VÃO GASTAR O TEMPO PARA IMPLICAR COM A PUTARIA. ALIÁS, PELO JEITO TEM GENTE POR AÍ QUERENDO QUE A MAMÃE VOLTE PARA CASA.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

BOCAS CALADAS

Estou nas últimas páginas da leitura do livro de Mário Magalhães, intitulado “Marighella.O guerrilheiro que incendiou o mundo”. Os jovens de hoje não fazem idéia do que se passou realmente naquele período da ditadura militar e como havia gente que se contrapunha ao regime ditatorial. Mário Magalhães, nascido em 1964, jornalista de profissão, debruçou-se sobre os fartos arquivos existentes para compor a biografia de Marighella, líder político das esquerdas que desde o tempo de Getúlio amargou torturas e inúmeras prisões, até se tornar em 1967 o chefe da Organização chamada Aliança Libertadora Nacional (ALN). O livro é muito bem escrito, causa espanto o número de documentos por ele compulsados, e também joga luzes sobre fatos ocorridos entre 1967 e 1969, data em que o chefe guerrilheiro foi morto numa tocaia na Alameda Casa Branca, em São Paulo, pelos policiais do DOI-CODI liderados por Sérgio Paranhos Fleury, o mais sinistro dos drogados homens da repressão e chefe do então Esquadrão da Morte.

Muito se tem escrito sobre estes anos de chumbo, no entanto o autor desta biografia consegue conciliar as diferenças que uma grossa colcha de retalhos fazia transpor para o conhecimento da época. Esta foi a melhor contextualização do período que já li. E todas as citações e afirmativas batem com minha memória do período, pois eu estava lá, vivendo o medo de torturadores anormais e via pessoas serem mortas na tortura para depois ganhar um atestado de óbito falso assinado por um aliado da ditadura no IML, de nome Harry Shibata.

Antes da ditadura de 1964 havia no Brasil uma efervescência de desejo de crescimento. O Brasil queria ser mais, não queria ser lacaio dos EUA, não queria ser monitorado pelo capital estrangeiro. As escolas eram um reduto de cabeças sequiosas de saber e liberdade; os sindicatos eram estruturados e, bem ou mal, representavam suas categorias. Os militares, com medo da implantação de um regime socialista, deram o golpe de estado de 1964. Os inconformados tiveram que engolir em 68 o Ato Institucional 5, e então, os intelectuais deixaram o país, os estudantes foram reprimidos em seus congressos, as passeatas estavam proibidas.Enfim, não havia mais a garantia individual para ninguém. Quando a ALN foi fundada, seu propósito era derrubar a ditadura e implantar um sistema sem desigualdade social, mas, para atingir esse intento, precisavam reproduzir aqui uma resistência semelhante à dos Vietnamitas contra os EUA. E, para obter armas, precisava-se de dinheiro, daí formaram-se os famosos grupos táticos armados que assaltavam bancos, joalherias, cofres de políticos corruptos. O real objetivo era criar a guerrilha rural. O ato mais ousado foi, em setembro de 1969, seqüestrar o embaixador dos EUA em troca da libertação de 15 prisioneiros, entre os quais estava José Dirceu. Depois desta ação a repressão ficou solta nas ruas qual cachorro louco. Quem era preso, era submetido às mais cruéis torturas, com choques (Eles tinham fixação na genitália) e não pouparam sequer mulheres e crianças. Em 29 de setembro prenderam e logo mataram na tortura Virgílio Gomes da Silva, o braço direito de Marighella. No dia da morte deste homem, eu estava lá, mas ao verem que haviam matado a melhor fonte de informações, em seguida libertaram os menos implicados, entre eles, eu. Zé Dirceu a esta altura, estava livre e leve no exílio!




No exílio, durante a ditadura estavam também o Serra, o FHC e um grupo de gente que conseguiu se evadir. Enquanto isso, no Brasil, sob novas lideranças as forças das Organizações foram se esgotando, e assim, alinhavando retalhos de confissões obtidas sob tortura, mataram Marighella no dia 4 de novembro. Quero deixar claro aqui que omiti outros grupos também exterminados por não serem tratados no livro de Magalhães, Mas seria lícito falar da guerrilha no norte do país, da qual só sobrou Genoíno, e do Capitão Lamarca que roubara as armas de Quitaúna e formara um grupo de guerrilha rural no Vale do Ribeira. Lamarca morreu miseravelmente só algum tempo depois.

Os presos políticos ficaram em São Paulo no Presídio Tiradentes, depois no Pavilhão 9 do Carandirú e finalmente no presídio Romeu Gomes da Polícia Militar. Souberam levar seu tempo prisional de cabeça erguida, mas havia casos de mágoa por gente que tinha sido delatada na tortura. E, pior que isso, havia ainda na administração pública do estado, gente corrupta que, quando era sindicada por atos de improbidade administrativa, jogava a culpa sobre pessoas que estavam vulneráveis frente a repressão. Mário Magalhães redime quem tanto sofreu nas salas de tortura e forneceu algum dado à repressão. Essa é a grandeza do livro. Porem, nos anos que seguiram à morte de Marighella, ainda está em aberto o estudo sobre as torpes criaturas que se aproveitaram daquela guerra para enriquecer (e foi muita gente) ou se safar de punições que nada tinham a ver com política. Esses também deixaram correr o sangue de pessoas que nada tinham a ver com armas e assaltos. Foi o meu caso. Meu filho mais velho, que hoje estaria para completar 40 anos, estava na minha barriga quando fui presa após a denuncia de uma diretora que queria o meu lugar na escola que eu dirigia. Tive minha casa invadida, fui presa várias vezes, um interrogador tentou me estuprar grávida de sete meses nas dependências do DOI-CODI e então, tive um ataque de pré-eclâmpsia e fui hospitalizada. Eu sobrevivi. Meu filho, viveu uns poucos dias mas seu pulmão colabou e ele faleceu. Essa inocente criatura pagou pelas vidas que eu salvei no período anterior, meu coração sangra até hoje.

Mas, outras vítimas foram produzidas. O silêncio imposto pelos militares, as modificações nos currículos das escolas para que os alunos não pensassem em ciências sociais, foram pouco a pouco destruindo a capacidade reflexiva dos jovens. Então, quem não tem visão social das coisas, se aliena e busca apoio lúdico nas drogas e outros atos inconseqüentes. Eles queriam todas as bocas caladas. E conseguiram. Pior, quando depois da abertura a oposição chegou ao poder, os brasileiros não sabiam mais como escolher.

O processo do mensalão, mesmo tendo que punir gente como Zé Dirceu e Genoino, teve um lado muito salutar. Mostrou que as Instituições Jurídicas tem capacidade de separar o joio do trigo e que a democracia vive. Era apenas isso que eu queria quando era militante política. Ditaduras, jamais, nem da Direita, nem da Esquerda, nem do Capital. Desta última ainda não estamos livres. E ainda, a nossa juventude está iniciando sua vida mais crítica e seletiva, mesmo que vagarosamente, pois uma fração dela se refugiou nas religiões oportunistas que apareceram por aí.