sexta-feira, 26 de setembro de 2014

A VIDA POR UM FIO

CAROS AMIGOS E LEITORES:

Escrevo estas poucas linhas para justificar minha ausência no Blog nos últimos meses. Minha mãe, uma valente senhora de 95 anos, teve uma crise de asma bronquial. Tratada como o médico mandou, sua tosse persistiu além do previsto, mas ela não teve nenhuma febre.Duas semanas atrás ela subitamente enfraqueceu e foi socorrida pelo hospital, onde deu entrada com a pressão arterial em 5 por 2. Desde então está na terapia intensiva . Controlaram uma grave pneumonia, mas o coração que já tem um marca passo, deu mostras de fraqueza, e então os rins começaram a falhar também. Minha única irmã estava na Europa e retornou quarta feira. Ela pode então ver a filha por quem tanto havia chamado. De lá para cá, os prognósticos médicos são cada vez mais soturnos e não sabemos quanto tempo essa pobre criatura continuará sofrendo. Estamos todos com a alma dolorida. Que Deus faça o melhor para nossa velha Magdalena. 

domingo, 29 de junho de 2014

CHIMAMANDA ADICHIE




Em pleno ano de 2014, uma tropa de idiotas de antolhos se aliena da sorte do planeta zurrando a cada gol que acontece nas arenas modernas brasileiras para saber quem vai ser o próximo dono da taça da Copa. Ninguém fala da séria ameaça que reapareceu em países Atlânticos da África (Serra Leoa, Guiné, Libéria) onde o devastador vírus do Ebola recomeçou a produzir centenas e centenas de vítimas fatais. Todos deviam saber que a globalização espalha com grande rapidez as doenças contemporâneas, veja-se por exemplo o fantasma da AIDS que ainda paira sobre todos os continentes, pois o itinerário da economia é o mesmo das epidemias. Mas o futebol anestesia as percepções sociais de maneira assustadora. Assim foi por exemplo o que aconteceu em 1970. Enquanto o carnaval de rua comemorava o nosso título de campeões, estávamos vivendo o auge da ditadura militar e tínhamos uma censura tão forte que mal sabíamos que havia um genocídio de proporções homéricas em Biafra, com a conivência das maiores potencias mundiais.

Chimamanda Adichie,  uma Nigeriana de 37 anos, descendente de vítimas daquele genocídio, deu-nos uma obra monumental publicando, já em 2006, o epopeico "Meio Sol Amarelo", que no Brasil a Companhia das Letras traduziu e trouxe-nos à luz. Na década de 60, a Nigéria ficara independente e era composta de muitas etnias, entre as quais os ibós, os iorubás, os hauças, fora outras mais. Porém, essas principais etnias passaram a disputar o poder, e em 1967, os ibós deslocaram-se da Nigéria para formar a República de Biafra. Isso provocou uma guerra civil que os antigos imperialistas, a Inglaterra e os EUA assistiram de camarote, inclusive cerceando as informações para a imprensa mundial. Biafra ficou acantonada no Leste e os acessos das entidades humanitárias eram bloqueados muitas vezes, de modo que os Ibós foram mortos em combate e, majoritariamente de fome, por falta de assistência do mundo ocidental. Em janeiro de 1970, vendo o povo morrer de fome e as aldeias serem literalmente assassinadas, os biafrenses se renderam e a Nigéria voltou a ter poder sobre a região do leste, rica em petróleo.

Chimamanda resgatou neste memorável livro, através de um romance que tem fundamentos reais, o sofrimento do seu povo, a ignorância dentre as categorias mais humildes da população, a islamização de parte da Nigéria em contrapartida da evangelização católica anglicana dos demais grupos. As dezenas de milhares de pessoas mortas nestas lutas foram notícia muito depois, e o Brasil que tem no DNA do seu povo uma enorme participação dessa gente negra, enquanto tudo isso acontecia, fazia festa como se a desgraça também não nos pertencesse.

Deus salve as nossas consciências.



Vitória e Vergonha



Não gosto de futebol. Menos ainda de ser minoria oprimida pela maioria. Tenho um amigo que viajou para Austrália a fim de se livrar da balburdia brasileira da Copa. Como não tenho dinheiro para tanto, reduzi-me ao retiro do lar onde o televisor está sempre desligado. O que me chega da rua é um pouco do som de vuvuzelas e alguns rojões que assustam meus cachorros. Enquanto tantos tolos correm nos campos atrás de uma única bola, os que foram aos estádios começam por xingar nossa presidente e instala-se um clima de ludibriar a vigilância para assistir o jogo de graça. Os que pagaram alto preço por um ingresso, sujam os estádios como porcos em seus chiqueiros, e então, grupos de japoneses fazem a coleta da imundície brasileira para levá-la ao lixo. Este fato constatei na internet, e tive vergonha. Também odiei as atitudes racistas e as homofóbicas que se fizeram presentes em vários jogos.

Não creio que o Brasil possa levar o título.Se o fizer, será mais sorte do que talento. E, mesmo que ganhe, o que será o país no Day After? Estaremos todos pagando caro a péssima condução que nos leva ao trabalho. Voltaremos às linhas de produção, às escolas, aos estabelecimentos comerciais e o valor do Real será o mesmo de todos os dias, comprando cada vez menos. Os professores continuarão a domesticar os alunos e, então começará uma outra empreitada: a Campanha Eleitoral. Os resultados da Copa serão certamente usados como instrumento da situação ou da oposição, mas, nós eleitores nada temos a ver com isso. Não chamamos este evento para cá nem respondemos pelos gastos que ele nos trouxe. Mesmo assim o dinheiro público foi utilizado para gastos que nem sequer foram decididos pela Senhora Presidente. Foi a herança maldita do governo anterior, mas o barril de cachaça terá tirado seu time de campo, pois há outros que podem ser fritos em seu lugar.

Nos últimos tempos só houve oportunidade de mandar uns poucos para a Papuda. Agora, falta mandar a escória do PSDB que tem tantos escroques quanto o PT. Quando eu era professora do Mestrado na UFRJ, tive uma aluna que era professora da rede em São Paulo mas tirava continuadamente licenças médicas para permanecer no Rio de Janeiro. Indagada sobre essa "facilidade",ela prontamente respondeu: "Lá no Vale, onde moro, tem um médico fazendo carreira política. Então ele me dá os atestados e lá em casa fazemos campanhas para ele!"Você já viu carioca ficar assustado? Pois eu vi. Então vamos às falas: Nosso país precisa ou não ser todo repensado? Os políticos, seja lá de que partido venham, tem que ter a vida levantada e monitorada em todos os aspectos. Só assim aparecerão caras novas e, talvez, mais honestas. Em tempo, essa será a última eleição que terá meu voto compulsório.


sexta-feira, 4 de abril de 2014

VIOLÊNCIA SEXUAL E DOMINAÇÃO



Este artigo é da autoria de minha filha MADALENA MARQUES DIAS, também historiadora



SOBRE MULHERES, HOMENS E O ESTUPRO
Em tempos em que 58,5% de entrevistados(as) pelo IPEAconcorda com a frase "se as mulheres soubessem como se comportar haveria menos estupros", o relato de minha avó traz uma atualidade impressionante:
“Quando eu era solteira e morava no centro de São Paulo, há setenta e cinco anos atrás, os hábitos eram muito rígidos. Até a véspera do meu casamento com o seu avô, namorávamos sob intensa vigilância. Assisti dois casos de moças que engravidaram dos noivos ou namorados, e por isso foram postas para fora da casa dos pais. O destino dos recém-nascidos foi a roda dos enjeitados, lá na Santa Casa, e para as mães, só restou tornar-se faxineira ou prostituir-se. Também acompanhei a história de outra moça do meu bairro que o marido devolveu para os pais após a noite de núpcias, alegando que não era virgem. Os exemplos estavam dados, sabíamos o que não podíamos “cair na conversa dos rapazes”. Nenhum desses homens foi penalizado pelas situações que criaram. Muito pelo contrário, eles eram promovidos socialmente por serem os “bons”. Até hoje, quando me lembro dessas histórias, fico muito revoltada. Por que é que a culpa tem que ser sempre da mulher?”

                               Minha avó é a moça mais alta da foto, aos 18 anos
Para além dessa desigualdade de tratamento que permanece no discurso social, aponto que, ao concordar com essa ideia, esses entrevistados(as) admitem que os homens não tem controle total sobre seu instinto. Essa ideia é mais antiga do que se pensa. Na 33ª Surata vers.35 do Corão, escrita no século VII d.C.: "Ó profeta, dizei a vossas esposas, vossas filhas e às mulheres dos crentes que quando saírem que se cubram com as suas mantas; isso é mais conveniente, para que se distingam das demais e não sejam molestadas (...)". Consta que a mensagem era claramente dirigida a Aisha, esposa mais nova do Profeta; contudo, com essa alegação, as islâmicas firmaram o uso do hijab, até ele tornar-se um fator de identidade religiosa.
A continuidade desse discurso no tempo e sua amplitude espacial é compreensível para os historiadores, especialmente aqueles que lidam com mentalidades e gênero: sabemos que a forma de pensar os costumes demora muito a se modificar entre as populações. Contudo, isso não quer dizer que seja um discurso aceitável. Quem afirma este tipo de coisa está, por consequência, admitindo que os homens são animalescos por natureza, e cabe às mulheres guardar a honra delas e da família; que os homens são perigosos às mulheres pela força que naturalmente exercem, e que as mulheres são perigosas aos homens pela sedução que naturalmente exercem. Solução: o recato delas é o caminho da ordem. Para além disso, naturalizam uma determinada visão sobre o estupro, que decorre de laços de poder violentos.Falta a muitas pessoas pensar com maior consequência nas suas opiniões.
Isso não é problema entre homens e mulheres somente,mas também entre mulheres e mulheres, homens e homens. O caminho do debate está dado: nada mais cabível do que a Campanha “Eu não mereço ser estuprada”, com uma marcada participação masculina, e fotos de mulheres em nus parciais, com uma plaquinha sobre o corpo, se recusando à objetificação sexual. Nesse momento, a internet – especialmente as redes sociais – ganha a fundamental importância como foro. Nela desnudam-se aqueles machos convictos,reiterando raivosamente seu poder, e ameaçando criminosamente as participantes (ah, sim, eles não ameaçam os homens que participam da campanha com a mesma liberdade, devo destacar). Desnudam-se também aquelas moças que usam da sua virulência verbal contra as “periguetes estupráveis”, de maneira a se mostrar mais desejáveis e mais prestas ao casamento no mercado nupcial em que as redes sociais também se constituem.Bons tempos vivemos, quando tudo isso vem a público e leva ao choque de opiniões que podem, inclusive, ser criminalizadas pelo conteúdo ofensivo ou ameaçador.Antes não era assim; o silêncio selava, socialmente, a continuidade da tradição.
Termino minhas reflexões com um recado aos navegantes que crêem que “se as mulheres soubessem como se comportar haveria menos estupros": peguem suas malinhas, entrem numa máquina do tempo, e retornem à época de minha avó ou ao século de Maomé. Se exercitem nas relações daqueles períodos. Assim, vocês talvez enxerguem o quanto manter esse discurso ainda hoje é ruim para ambos os lados. É ruim para as mulheres, pois as submetem à continuidade de uma teia de poder e submissão violenta, quando já desfrutamos de tantos benefícios advindos de uma trajetória de liberação feminina e de uma legislação igualitária. É ruim para os homens, por que os leva a se desumanizarem à medida em que não devem falhar em sua força e no exercício do poder, em um momento em que também se beneficiam pelo relaxamento das exigências sociais que sempre pesaram sobre eles. Caso ainda reiterem sua posição, fiquem no passado e não retornem mais. Agradeço.


 “Nem vem com papo de rapaz que daqui não sai nada. Sou moça de família!”.
Bonnie e Clide, anos 1920.  Disponível em: http://www.retronaut.com/retro/eras/1900-1999/1920-1929/


HISTÓRIA, LUTO E FESTA



Esta semana foi marcada por perdas e reconhecimentos interessantes para nós. Localmente, lamentamos o falecimento da Professora Doutora Geraldina Porto Witter, que foi uma grande cientista no campo da Educação. Minha professora nos tempos em que fiz meu bacharelado e licenciatura na USP, ela se consagrou como autoridade em carreira acadêmica, deixando linhagens de pesquisadores.

Mundialmente,  perdemos talvez o mais importante Historiador contemporâneo, o Medievalista  Jacques Le Goff, aos 90 anos em Paris. Para a formação de Historiadores em nosso país, ele foi a mais importante referência pois, sendo um continuador da Escola dos Annales, ampliou as novas perspectivas de análise dos fatos históricos e dos grupos sociais, introduzindo em suas obras o uso de outras ciências, como a antropologia, por exemplo. Compôs obras gerais sobre Idade Média, depois foi retalhando os segmentos da sociedade para promover a compreensão e avaliar o papel dos diferentes grupos na construção das mentalidades. Assim, estudou os intelectuais, os banqueiros e mercadores, o campesinato e a nobreza, demonstrou como a figura do Purgatório foi introduzida apenas no início do segundo milênio provando através de fontes arquivísticas que o desenvolvimento do comércio e da burguesia promoveram na Baixa IdadeMédia a idéia de que os pecados poderiam também ser negociados com Deus (parece bizarrice, mas não é) e, finalmente, deu lugar ao indivíduo na história indo além da biografia do santo rei de França S. Luis e biografando  também São Francisco, dentro da mais acurada metodologia de trabalho. E, por falar em metodologia e saber científico, foi ele também o autor majoritário do primeiro volume - Memória/História - grande enciclopédia temática EINAUDI, cuja cientificidade é absoluta em múltiplas áreas do conhecimento. Ali, ele saiu da roupa de medievalista para discutir em todos os planos "Memória, Documento/monumento, História, Calendário,  Passado/presente, Idades míticas,Progresso/reação, Antigo/moderno, Decadência e finalmente, Escatologia". Deixou um legado de sabedoria para os profissionais brasileiros da História, que pode ser qualificado de indispensável.

 

E finalmente, precisou um Jesuíta chegar ao Papado para que o papa santificasse aquele jovem jesuíta do século XVI que aos 20 anos deixou território espanhol  e veio para o Brasil, com Manuel da Nóbrega, fundou a maior cidade do hemisfério sul, em 1554, a nossa São Paulo de Piratininga. Defendeu os índios da escravidão, pacificou tribos e depois caminhou pelo litoral brasileiro, voltando para morrer no Espírito Santo aos 63 anos. Há um fêmur seu exposto no relicário do Pátio do Colégio,  onde nasceu São Paulo, a nossa impressionante metrópole.