terça-feira, 17 de julho de 2012

REVELAÇÕES DA EX-PRIMEIRA DAMA ROSEANA

AS REVELAÇÕES DA EX- PRIMEIRA DAMA




Domingo fiquei plantada frente ao programa de TV que anunciava uma bombástica entrevista com a primeira dama do governo brasileiro de duas décadas atrás. Demorou. Foi a última matéria da noite; a TV deu uma patinada ao ceder espaço para mulher ressentida que quer tão apenas e simplesmente aumentar o valor da pensão mensal que recebe do ex-tudo: marido, cúmplice, presidente.

Quanta asnice correu durante a tal entrevista. Ela contou que o marido, ex- Indiana Jones do Brasil, praticava magia negra nos subterrâneos da casa onde moravam. Suas intenções, pelo que a mocréia falou, eram de devolver aos desafetos as coisas ruins que lhe desejavam. Para isso sacrificavam animais. Bem, por este viéz, seria possível até processá-lo por maus tratos aos bichos, quem sabe alguma sociedade protetora o faça e peça o testemunho da ex- primeira dama, que foi ocular dos fatos. Ela estava lá, viu tudo, talvez tivesse até tido alguma participação nos ritos macabros, porém isso ela não revelou pois agora ela está com Jesus, virou evangélica, e converteu a feiticeira oficial também. Não deu conta no entanto se o ex-esposo deixou essas práticas de lado. E ele teve uma pequena revigorada após o impeachment, voltando sorridente ao nicho dos políticos da nossa terra.

A única coisa que valeu a pena na entrevista foi a confissão de deslumbre com o cargo de primeira fêmea da pátria: ela e o bruxoleante marido receberam a visita oficial do príncipe Tampax da monarquia inglesa e com ele sua etérea, linda, tímida e recatada Lady Di. Ver a princesa valeu a espera de tão porca entrevista, pois temos saudade de Diana, a mãezinha de William, hoje com 30 anos e bem casado com a sua Kate. No mais, dá para jogar a entrevista no lixo, até porque a tal rede de TV faz programas extraordinariamente bons e não pode contaminar as demais maçãs que guarda em seu cesto de reserva.

Muitas coisas que poderiam ser reveladas, nem de longe se cogitou. Eu gostaria de saber, por exemplo, se o ex-presidente era de fato cocainômano. Sei que seu pai foi senador e queimou em plena sessão do senado um desafeto a balas de revolver. Sei também que o próprio irmão delatou seu esquema de corrupção, e, na esteira das desgraças, sua mãe sofreu um derrame e ficou meses vegetando até que a morte se apiedasse dela. Mas a história da cocaína, consumida ali, bem dentro das salas do palácio da presidência, me deixou cabreira. Na época dos fatos, eu estava com pouco mais de 40 anos e orientava mestrados e doutorados no Rio de Janeiro. Também ia com certa constância a Brasília e tinha alunos parentes das casas governantes para os quais nada era segredo. Falava-se do ex-presidente como partícipe de um grupo de play boys, filhos de políticos, que em dado momento estupraram e mataram uma jovem... a culpa recaiu sobre o filho de um ministro que, pouco depois dos fatos, faleceu num desastre automobilístico. Ademais, o Indiana Jones tropical era bissexual e ... por que nada disso veio a tona nas revelações da pedinte de pensão maior?

terça-feira, 10 de julho de 2012

As mulheres de Jorge Amado (IV)

As mulheres de Jorge Amado (IV)


Gabriela ficou entristecida ao separar-se de seu Moço Bonito. Assim, reduzida à solidão, tratou de acompanhar a parteira Arminda em seu trabalho, bem como a bordar e costurar no tempo que lhe sobrava. E Nacib também caiu numa solidão sem fim. Nem as garotas do Bataclã conseguiam lhe agradar. Além disso, com a dragagem do porto, o progresso de Ilhéus avançava e requeria um bom restaurante. O chefe da oposição política associou-se a Nacib, bem como outros produtores de cacau que não queriam servir de capacho aos velhos coronéis; assim Nacib pode inaugurar seu restaurante e, para tanto, buscou Gabriela de volta. O casal reconciliou-se e a vida de ambos, o árabe e a retirante, estava restabelecida sem os protocolos que a sociedade anterior exigia. Gabriela pode voltar à sua puerilidade e ele ao status de Moço Bonito. Pouco depois disso, o velho coronel Jesuino que matara a mulher e o amante, foi a júri, sendo condenado pelo assassinato, coisa que nunca antes se vira na Bahia.

Gabriela é antes de tudo uma história de resgate e de perdão. Marca bem o rompimento de Jorge Amado com o autoritarismo e a desumanidade do comunismo stalinista que conhecera até o início da década de 50. Ao mesmo tempo, é possível ver o sufoco de sua ortodoxia anterior, graças ao estupendo memorialismo de Zélia Gattai, sua esposa.

As mulheres reais e as imaginárias de Jorge Amado não se limitam, contudo, ao que vimos até aqui. O autor escreveu muito e expôs outros perfis femininos notáveis. Na primeira metade do século XX, suas obras tinham um conteúdo compromissado com os destinos do país, Na verdade, sua literatura acompanhava a linha nacional de Sérgio Buarque e Gilberto Freire. Sua recaptação do indivíduo na história, contrariou o método opressivo do regime comunista e as exigências que o Partido fazia sobre ele, pressões que nem de longe outros autores tiveram. Em obras anteriores, descrevera mulheres, valentes, sem dúvida, mas desprovidas da feminilidade gostosa que ele escancarou depois. Sua última publicação política antes do rompimento foi a obra “O cavaleiro da esperança”, sobre Luis Carlos Prestes. Na década de 50, ainda se concedeu ao luxo de publicar “Os subterrâneos da liberdade” (1955). Depois disso, entregou-se a uma literatura mais lúdica, da qual não escapou sequer seu maravilhoso trabalho “Tenda dos Milagres”, em1969.

As mulheres que sucederam Gabriela, foram todas tipos deliciosos. Quem poderá esquecer a rica Tieta, dona de bordel em São Paulo que se diz por correspondência “muito bem casada”,e que,vinda ao agreste visitar a família que lhe expulsara por descabaçamento, inicia sexualmente o sobrinho Cardo, filho da feroz irmã carola Perpétua, que o havia destinado ao seminário? E Dona Flor, dona de escola de culinária Sabor e Arte, casada com o boêmio Vadinho de quem enviuvou precocemente mas voltou em espírito a lhe atormentar pois o segundo marido era regrado: sexo, duas vezes por semana, com bis opcional aos sábados?

Ai, que saudade de Jorge Amado...

As Mulheres de Jorge Amado (III)

Hoje falo da principal mulher parida pela imaginação de Jorge depois que retornou ao país em 1952, após o nascimento de sua filha. Em 1958, veio ao mundo Gabriela que, como muitas de suas obras, tem edições em dezenas de idiomas.


Não pensem os telespectardores da série “Gabriela”, que verão nesta compacta história o que de fato aconteceu na verdadeira história de Gabriela Cravo e Canela. Por avanços e também carências do trabalho televisivo, o que se vê – tão tarde da noite, aliás – é uma bela adaptação feita por Valcir Carrasco e dirigida pontualmente pelo jovem Mauro Mendonça. O cenário foi remontado no Projac com requintes de perfeição. Só que no livro de Jorge, o início acontece de forma violenta, com o assassinato de Dona Sinhazinha mais o dentista Osmundo, pelo frio coronel Jesuíno Mendonça, e se Jorge iniciou sua obra com o assassinato, muito justo segundo os homens de Ilhéus da época, ele tinha a intenção de trabalhar os avanços de uma elite do cacau pelo atropelamento da História. Gabriela, seus quitutes, seu corpo e as beatas, tudo isso aparece depois.A procissão para pedir chuva não existe. Fora das quengas do Bataclã, Gabriela, soberana, as beatas, caricatas, os coronéis donos da vida e morte de outrem, fora Nacib e uma anêmica oposição, o resto são licenças para tornar o enredo mais palatável ao público em geral, pois, ler o livro dá um trabalho imenso e, tem complicadores nas narrativas de tipos psicológicos ou então de cenas que se tornariam chatas ou repetitivas. A trilha sonora foi retomada da novela anterior e junta Dorival Caymi, Gilberto Gil e a magistral sinfonia para Gabriela, de Jobim, um patacão de ouro da música clássica brasileira.

Gabriela tinha a vida natural vibrando em seu corpo. Escultural e bonita, seduziu Seu Nacib além de todos os homens que freqüentavam o Bar Vesúvio. Lá se instalou vinda da terra gretada pela seca do nordeste, não impôs salário para trabalhar de cozinheira e, em momento algum aceitou as ofertas para ser a “teuda e manteuda” de qualquer coronel rico que ia babar aos seus pés. Deitou sim com seu Nacib, a quem chamava de “moço bonito”, e era assim que queria ficar. Era simplória e pueril. Tanta beleza, tanto peito e tanta bunda, enriquecia apenas com uma flor nos cabelos, pois tinha seu modo infantil, quase instintivo de viver. E foi por isso que, depois de casar com Nacib, não agüentou sapatos nos pés nem vestidos de madame, nem jóias...queria sua vida anterior, seu homem, sua alegria. E nesse vacilo, Tonico Bastos deitou-se com ela, pôs chifres no afilhado Nacib.

Ela não via que isso pudesse ser ultrajante. Pois o tio não lhe usara desde menina?Não dormira com retirantes do mesmo modo como repartia com eles a pouca água e a comida? E agora tinha que deixar o moço bonito Nacib por tão pouco?

Entristeceu, foi costurar para Dora habitando de favor a casa da parteira, deixando seu moço bonito com o coração despetalado.Na semana que vem, veremos a intenção da verdadeira trama e as demais mulheres do imaginário de Jorge Amado.