Quando o florentino
Carlo Collodi em 1883 publicou seu romance infantil sobre Pinóquio, o
boneco de pau talhado por Geppetto, a Itália era um país novo, uma vez que sua
unificação aconteceu apenas em 1871 e, congregava pequenos reinos de
influências diversas, portanto, uma cultura que se estendia dos valores
austro-húngaros aos valores latinos. Como Collodi havia estudado teologia em
sua juventude, foi um exercício moral em seu jornalismo, pregar, através da
história de um boneco, os valores que deviam ser importantes na vida de uma
pessoa. Podemos enumerar aqui alguns destes valores: coragem, lealdade,
honestidade e obediência, uma vez que a cidadania depende de uma conduta
regular onde as normas sociais estão impressas nas leis e nos costumes.
Minha geração foi criada sob esta perspectiva, tanto
que em 1940 os estúdios de Disney se apropriaram do tema para criar um filme,
fracassado por conta da guerra ou do apelo patético a virtudes que o próprio
Disney não possuía (virtudes indigestas, como a de delatar comunistas dos EUA na política do Macartismo). Seu sucesso foi posterior, e os
adaptadores incluíram na história personagens que não haviam feito parte da
obra de Collodi. É o caso do Grilo Falante, amigo e uma segunda consciência
para o boneco de pau. De qualquer forma, mesmo saindo fora da realidade
criadora de Pinóquio, sua história era profundamente didática para as crianças
do mundo ocidental do pós guerra, focando seus objetivos em estimular a verdade
e a obediência. Esse binômio pedagógico é indiscutivelmente correto ainda que
possamos questionar a parte da obediência, pois foi saindo fora dela que muita
coisa se moveu no mundo até agora, considerando-se que grandes descobertas e avanços foram feitos por mentes inquietas que não se enquadravam no perfil do seu tempo..
Sinto porém
que, apesar do discurso ouvido desde a infância, quando se conta às crianças
estas historinhas, o princípio doutrinal de Collodi se esvaziou. Nos embates de
força entre verdade/mentira ou obediência/desobediência, os vícios tem
prevalecido sobre as virtudes. Para falar só sobre o Brasil, ainda prevalece o
jeitinho brasileiro de ser, a idéia de que o mundo é dos espertos, de que vence
na vida aquele que leva vantagem em tudo, mesmo que isso signifique passar por
cima dos direitos alheios, mentir ou omitir informações de interesse público, e
por aí vai. Será que dá para crer nas estatísticas de criminalidade? Ou é possível
aceitar os números que nos passam sobre as epidemias e doenças em geral? Ou que
o dinheiro gasto com eventos esportivos não vai fazer falta para as obras
sociais do governo? Ou que a turma do mensalão vai cumprir suas penas
direitinho? Onde as autoridades mentem e cooptam com o ilícito, com certeza não
há bons exemplos para o povão ser mais educado. E não há Grilo Falante que dê
conta de tantos abusos. Pior, contaminam-se as gerações futuras.
2 comentários:
Provavelmente não se lembra, mas foi minha professora durante alguns dias em dois anos.
Conseguia segurar a sala e manter a atenção de todos. Poucos dias, mas ótima professora, parabéns!!!
Michelle S V Santos
Obrigada, Michelle. Aprendi muito com meus alunos, sempre. Beijos da Ivone.
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