terça-feira, 8 de setembro de 2009

NÃO SOU INTELECTUAL

Não sou intelectual. O que fiz na minha vida foi decorar a tabuada de vezes, ler a cartilha e, o máximo a que cheguei foi interpretar Virgílio no original latino para compreender o carbúnculo hemático que devastou a Nórica na Antiguidade. Quando passeei pela Europa, meus companheiros eram alguns franceses , escandinavos e portugueses que gostavam de tomar café em qualquer botequim. Faziam o mesmo que eu, isto é, tentavam saber das epidemias do passado para compreender as realidades imunológicas do presente. Era uma parada legal, a gente se entendia bem e, como estávamos longe de casa, falávamos com saudade de nossas famílias. Este longo passeio, apesar de ser pago com dinheiro do governo do Brasil, jamais foi aproveitado pelos médicos daqui, porque eles achavam mais fácil alegar nas declarações de óbito que seus pacientes morriam de falência múltipla de órgãos. Impressionante. Se eu fosse intelectual, talvez encontrasse algum cadáver com alguns órgãos funcionando, mas isso nunca aconteceu. Em todos os mortos que vi, havia parado tudo. Por isso, a gente se contentava em analisar achados esqueletais, principalmente quando os traços patognomônicos da doença que os vitimou eram muito evidentes nas ossadas cranianas. Não há nada de intelectual nisso, é apenas um brinquedo de Indiana Jones com o dinheiro público. Foi lindo ver o esqueleto de São Frutuoso. Uma osteoporose do cão, mas que importância pode ter isso? Ou que importância pode ter em saber que a lepra chegou aqui pela colonização? Ou que o sul tem mais resistência imunológica que o norte do país quanto a essa doença? Ou que a miséria tem sempre o seu dedo posto na mortalidade social? Mas isso não faz de mim uma intelectual.
Também não sou “massa de manobra”. A morte de Michael Jackson não me comoveu a ponto de nâo ler as outras páginas dos jornais, de saber o que vai pelo mundo. Na verdade estou velha para apreciar garotos andróginos que adoram balançar os quadris e coçar o saco para a platéia. Estou em outra. Gosto de sempre ver que o espelho tem duas faces. Cadeião e lixão não interessam para a cidade, mas interessam menos ainda a quem mora nos ricos condomínios do Taboão para lá.
Também não mando em nada, nem em minha própria casa. Acho que criei o senso relativo das coisas, desde que o meu velho pai falava entre risos que o vizinho era mandão pra burro, mas as filhas viravam bolsinha e a mulher havia passado em revista todo o quartel do Barro Branco.
Reduzo-me à minha insignificância, mas não reduzo meu orgulho e minha moral aos atos fascistas de quem quer que seja. Por exemplo: um político eleito é apenas um criado meu, pago com meu imposto para trabalhar direitinho. Explicit.

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