terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

TEMPO DA INOCÊNCIA

Semana de Carnaval. Muitas famílias de bagagens prontas para mais uma curtição na praia ou no campo, as grandes cidades se esvaziam. Ficam apenas os caseiros e os foliões. Os caseiros com o traseiro quadrado de tanto ver TV; os foliões, para participar dos desfiles de Escolas de Samba, todas pasteurizadas pelos moldes televisivos contemporâneos. São 5 dias que o bom senso manda ter cautela nas estradas e no amor livre . Enfim, uma semana perigosa, desafiante.
Tenho hoje uma clara dimensão das perdas que a sociedade sofreu no último meio século. A maior delas foi sem dúvida a perda da inocência. Não vou falar das Escolas de Samba porque elas são parceiras comerciais das intenções turísticas do país, mas nada me cala quando penso nos loucos das estradas, a correr, a matar e a morrer; aos cervejófilos tão inconseqüentes; à sexualidade “sans peur” (sem medo), à prostituição infantil; as drogas que circulam com a facilidade de um cafezinho, enfim, os dias de liberação geral que atualmente tem muito mais perigos que antigamente.
O que me deixa mais triste contudo não é a lassidão dos costumes; desde que o mundo é mundo, festas como essas prestam-se à catarse. Redime-se na liberação os sacrifícios de um ano de trabalho. E penso no falecido Joãozinho Trinta, morto a pouco tempo, mago das coreografias que migrou do mundo da ópera para o mundo das avenidas, repleto de inspirações e com tiradas fenomenais do tipo: “Quem gosta de miséria é intelectual”! Assim, insurgir-se contra a fantasia teria o mesmo peso que desacreditar do vestido de noiva, sonho de boa parcela das moças de hoje. São sonhos construídos.
O que me deixa mais triste realmente é observar o empobrecimento cultural da criação das fantasias musicais, das modinhas que marcam o evento. Tempo houve em que elaborar música carnavalesca era tarefa de grandes compositores, e isso é tão verdadeiro que ofereço um sorvete de manga aos que se esqueceram da “...jardineira, por que estás tão triste” ou da melancólica “Estrela d´Alva” no céu despontando com tamanho esplendor. Estas maravilhas foram compostas na segunda pessoa do singular sem ganhar com isso qualquer snobismo. Vejamos: “jardineira, por que estás tão triste, o que foi que te aconteceu”... ou “Linda pastora, morena da cor de Madalena, tu não tens pena, de mim”... Um primor de composições. E, um pouco mais tardia, por volta dos anos 70, a construção do Paulinho da Viola “Foi um rio que passou em minha vida, e meu coração se deixou levar”...
Pois foi. A era da TV trocou a palavra pela imagem. A palavra foi reduzida, amesquinhada, desentendida (Ai se eu te pego) para dar lugar aos apelos visuais e sensuais. Que pena! Melhor ficar em casa curtindo um bom livro...

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