sexta-feira, 19 de abril de 2013

TOLERÂNCIA E INTOLERÂNCIA


Tenho lido uma vasta literatura Africana, de autores Lusófonos a autores de outras regiões. Dos que falam a lingua portuguesa misturada com os dialetos tribais, há gente maravilhosa como Pepetela, Luandino Vieira, Ondjaki, Agualusa, todos de Angola. De Moçambique , temos o magistral Mia Couto. Fora deste universo, é impossível falar de África sem mencionar Chinua Achebe, da Nigéria, Doris Lessing, da Antiga Rodésia (hoje Zimbabue) e, da África do Sul, o grande Coetzee, autor de um clássico chamado Desonra, que vai nos fazendo sentir desonrado a cada página. Mas, a literatura mais dolorida é a produzida pelas mulheres que deixaram a Somália e países islamizados do nordeste e norte do continente, inclusive Egito, Marrocos e outros mais. Na Somália e até no Egito, é comum entre as mulheres a prática da infibulação, que corresponde à retirada do clitóris e à raspagem dos grandes lábios para que cicatrizem de modo a garantir a inviolabilidade das virgens, ainda que por uma saída minúscula elas consigam menstruar e urinar, e apesar de muitas terem infecções que provocam fístulas e até a morte. Algumas conseguem fugir, e seu destino é muitas vezes a Holanda, onde ficam em abrigos protegidos pois se forem pegas pelas famílias, podem ser executadas sumariamente sem que isso constitua um crime.
Está na xariá, a tradição muçulmana que sustenta os governos nos princípios religiosos do islã. O clã é soberano para executar essa justiça, assim como o apedrejamento das adúlteras e outros casos mais. E as mulheres não tem acesso à educação como os homens, o que lhes rouba a capacidade de escolher o próprio destino. Cabeças cobertas e submissão. Pancadas dos maridos pois que são seu objeto. Este é o quadro de um estado teocrático, baseado ainda no que falou Maomé quando uniu as tribos nômades do deserto. Esta loucura tem mais de 1200 anos.  Aqui, na Terra de Santa Cruz, conhecemos também o braço pesado da repressão religiosa, pois Portugal foi um dos países de Santa Inquisição fortíssima. Muita gente morreu após confissões obtidas em tortura. Tivemos escravidão, e os negros eram perseguidos por suas crenças trazidas da África. Mas, o tempo passou e veio a República, que pelo seu caráter positivista separou o Estado da religião. Assim, tornamo-nos um país de crenças livres e ponto final. Mas, há notícias de que os evangélicos tem surrado gente de religião afro-brasileira e queimado templos de pagés em Mato Grosso. Será possível retornar à intolerância do passado? Não, nem que isso custe conflitos muito graves. Respeitem para ser respeitados. Corremos o risco de acabar um imenso crematório como foi Auchwitz. E assim será se consentirmos debilidades como as do Marcos Feliciano.

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