quarta-feira, 14 de novembro de 2012

SAUDADES DA INFÂNCIA

Quando eu era garota, morava com meus pais e irmãos numa linda chácara que ficava ao lado do Horto Florestal, em São Paulo. A moradia ficava num canto ao fundo. Espaçosa, tinha um jardim de inverno com deliciosas poltronas onde eu me jogava para ler. Mas o terreno da chácara era muito convidativo às brincadeiras infantis. Meu pai, vindo dos camponeses de Portugal, mantinha ali um pomar requintado e jardins muito enfeitados com arbustos recortados em topiaria fina. Ali era o meu jardim das delícias. Dava para brincar de bicicleta por todos os caminhos que meu pai fazia entre as plantas e ao longo da cerca viva de hibiscos, também cuidadosamente modelados. Entre tres imensos abacateiros, ele fez um tipo de estar com dois bancos confortáveis de cimento. Era o cenário ideal para meu irmão e eu brincarmos de circo, para minhas bonecas ganharem vida na casinha que eu improvisava.
Eu entrava na chácara por uma alameda bem cuidada cuja beirada fora feita em tijolos, limitando assim uma fileira de hortensias de cores variadas em ambos os lados. Havia buchinho recortado nas pontas, muito melindro. Cá e lá erguiam-se touceiras de giesta e em novembro, floresciam os jasmins. No fundo havia ainda um pomar com laranjas lima, lima da pérsia, muito caqui. Mas delicioso mesmo era o mes de novembro. Mais de uma dezena de jabuticabeiras que o meu avô plantara, ficavam com os troncos cobertos de jabuticabas muito docinhas, que nós comíamos no pé, colhiamos para fazer doces, geléias e licores, mas parecia que as frutas não acabavam mais. Então, meu pais abria o imenso portão da chácara e chamava os vizinhos para virem colher frutas e aproveitar a safra.
E havia também, bem perto do jardim de inverno, duas oliveiras. Uma velhísima e outra mais nova. Estas eram podadas na véspera do Dia de Ramos, e os galhos ficavam no chão para que cada vizinho pegasse os seus Ramos e levasse à missa no dia seguinte. Vivi neste Éden até os 16 anos, quando, mesmo sem Caim ter matado Abel, meu pai teve tres enfartes e fomos expulsos do paraiso. Que tristeza encarar o mundo de fora, a moradia com barulho que perturbava o sono, a insegurança pela saúde claudicante do paí e pela necessidade de trabalhar para haver comida sobre a mesa. Trabalhar não era mau, eu já o fazia desde os 14 anos, mas a insegurança que se abateu sobre mim foi tão grande que eu acordava muitas vezes chorando de medo, mesmo tendo meu paizinho a dormitar a poucos metros de mim. E ele , apesar dos enfartes, sobreviveu até os 91 anos. A mais linda lembrança que tenho dele foi de sentar na beira da poltrona onde ele lia jornal, e apontar com meus dedinhos minúsculos as letrinhas perguntando o que queriam dizer. Assim aprendi a ler. E, com a doença dele, mais tarde, aprendi a ser gente grande.

Um comentário:

Júlio Paiva disse...

Linda foto, quero comer jabuticaba.