Quando as redes de TV, os jornais, as emissoras de rádio
pedem carinhosamente que você ou seus filhos procurem o Posto de Saúde mais
próximo da sua casa, simplesmente obedeça. Contrariar os programas oficiais de
Saúde, significa dar um tiro no próprio pé. Desde que o bebê nasce, ele é
submetido a vários testes importantes para se obter seu perfil inicial. Depois,
vem as vacinas, e que ninguém se furte a essa obrigação para com seu filho,
pois senão haverá uma força coercitiva por parte do Estado, no momento em que
esta criança começar o processo de escolarização. Mesmo assim, há doenças que já se haviam por
desaparecidas, que ousam botar as caras de fora novamente. E isso ocorre tanto
entre humanos quanto em animais, com os quais, queira ou não, o ser humano vai
interagir pelo resto da vida.
Nesta semana, ouvi falar que uma senhora amiga adoeceu
gravemente. Teve tuberculose. Essa doença que parece ter ficado no passado, e
que vitimava os boêmios e desnutridos, tinha um tratamento de isolamento do
paciente até que chegaram os antibióticos com espectros eficientes para curar.
Assim, pouco a pouco, antigos parques hospitalares foram sendo desativados para
dar lugar a imensos hospitais gerais, como é o caso do Hospital do Mandaqui.
Também, uma doença discricionária que tirava os cidadãos do "mundo dos
vivos" e os transportava para o mundo dos "esquecidos", teve a
sua oportunidade de tratamento e cura: a hanseníase ou lepra. Os grandes
sanatórios da era Getulina para onde eram encaminhados esses pacientes de
maneira compulsória, isolaram comunidades inteiras a ponto de tornar os
estigmatizados uma sociedade à parte, com mecanismos próprios de interação. Com
o tempo, esse fantasma diluiu-se. Os antibióticos deram conta do mal e os
leprosários foram se tornando hospitais gerais, ainda que ninguém goste de ser
internado lá. Hoje, tanto a Tuberculose como a Hanseníase são tratadas
ambulatorialmente, mas, contradizendo a batalha contra ambas que parecia
vencida, assistimos aos avanços destas doenças com quadros diferenciados. E as
cepas dos novos atacantes nem sempre respondem bem aos antibióticos
tradicionais. Trágico, não?
Pior, outras doenças das quais não mais se falava, retornam
entre humanos e animais, muitas delas como zoonoses. Viram esta semana o
retorno do "Mormo", mal contagioso entre eqüídeos e também
transmissível ao ser humano? E o que vamos fazer quando retornar a
"Raiva" que se encontra escondida a esperar seu momento uma vez que
os cães de rua vagam docemente como "comunitários" por aí? Você já
viu um ser humano acometido de raiva? De hidrofobia? Ainda não, mas tenho medo
que logo isso acontecerá. Sem remédio.
Em meados de 1980 eu me vestia para ir à USP fazer
meu exame de qualificação para doutorado, quando um vizinho chamou contando que
um cão estranho havia mordido meu gato no jardim. Pressentindo o pior, peguei
uma arma e saí de carro com o vizinho acompanhando o trajeto do animal.
O pobre
cão parava nas poças d'água mas não conseguia deglutir. Andou bastante pelo
bairro, circundou as duas grandes escolas de lá e, por fim entrou num quintal
que parecia conhecer. Pulei rápido do carro e fechei o portão de grades para
que ele não fugisse. Depois apertei muito a campainha para chamar os donos da
casa, pois, ao estímulo da ponta da minha arma, o cão apresentava anisocoria
que é um nítido sintoma dos muitos que a raiva apresenta. Começou a juntar
gente, inclusive um delegado que morava em casa vizinha, e então, apontei meu
revolver e atirei bem no coração do bicho. Entendendo a gravidade do caso,
vieram uns pedreiros que trabalhavam em obra próxima e, com uma pá, ajudaram a
colocar o cadáver canino no meu porta
malas.
Voltei em casa, guardei o revolver, peguei meu material de pesquisa e me
coloquei na estrada para São Paulo. Meu objetivo era, antes de chegar à USP,
passar no Instituto Pasteur e deixar o cão para análise. Ele então foi
recolhido pelas doutoras Ester Bocatto e Luiza Morita. Quando cheguei ao
departamento da USP onde seria meu exame, já havia um telefonema aflito do
Pasteur confirmando por exames laboratoriais a Raiva, já em estado avançado no
animal. Assim, retornei a Mogi, com a enorme tarefa de iniciar uma prospecção a
fim de saber em quais pessoas o cachorro havia tocado, pois precisavam ser
notificados da carência de vacinação. Com o apoio das diretoras de escola,
chegamos a quase 30 prováveis infectados, uma soma tão estarrecedora que o
diretor do Instituto Pasteur veio a Mogi para implantar aqui um posto avançado
de vacinação humana (o SUS não existia ainda). Como os Postos de Saúde não
funcionavam nos fins de semana, o Dr Melquíades ficou encarregado pela
Prefeitura, de montar uma sala dentro da Santa Casa para atender as vítimas do
tal cachorro.
Foi assim que, pela primeira vez tivemos vacinação humana aqui.
Também a Prefeitura intensificou a coleta de cães de rua e a campanha de
vacinação anti-rábica, de modo que ainda houve casos de animais doentes por
quase dois anos, mas o alerta estava dado, e as crianças salvas.
Hoje, entreguei meu revolver à Polícia Federal. Mas
a política eleitoeira de proteger os cães de rua, volta a nos ameaçar, pois as
cavernas e grutas de Luis Carlos e Salesópolis continuam a abrigar morcegos
hematófagos e, em breve, a Raiva voltará vitoriosa. (Em Memoria do Dr Moacir R.
Nilssen que morreu vítima de combate aos hematófagos)
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