quarta-feira, 24 de outubro de 2012

E AGORA JOSÉ ?

José, magro moço com perfil incendiário, ia às passeatas de universitários contra a ditadura, subia no teto dos carros e proferia discursos para animar a nós, estudantes irados contra a ordem constitucional conspurcada no Brasil. Eu lembro bem, José, eu estava lá manifestando meu todo e qualquer repudio à ditadura. Sei bem o que significa isso, o domínio de um grupo sobre a massa popular, sem deixar aos pacatos cidadãos brasileiros o direito de eleger seu governo, de ser inocente até que a justiça provasse em contrário. Direito. Estado de direito! Era tudo o que nós queríamos quando aos milhares saiamos às ruas para sermos dissolvidos a força, com a cavalaria vindo bravia contra nós. Pois perdemos essa luta vã. Até as Senhoras de Santana, achando que éramos depravados e contra Deus, fizeram marchas contra nós e nos reduziram a quase pó.

Eu disse a “quase pó” uma vez que vários de nós continuamos reagindo, então agora já fora das Universidades. E você, José, acabou preso. Preso sem lei e sem rei. Prisioneiro de um Estado que queria ter a prerrogativa de decidir sobre todos nós. Enquanto isso, desenvolvia-se uma categoria nova de políticos que, à margem dos embates da legalidade, enriqueceu muito. Assim, depois que os ditadores viram o tamanho da massa falida, eles deram uma de generosos e “reabriram” a democracia, não sem antes decretar a Anistia ampla, total e irrestrita a todos – torturados e torturadores- enfim, ambos os campos da contenda deviam se abraçar como crianças depois de uma briga infantil na sala de casa.

Só, que entre o início e o fim da briga se passaram décadas. Muita gente morreu, até hoje seus corpos não foram encontrados. E ficamos nós, aqui, qual mães da Praça de Mayo a chorar nossos mortos sem sepultura. Ai, Deus! Será que chove sobre eles? Quando cai uma tempestade elétrica, encolho-me miúda e temerosa pensando nos companheiros debaixo das águas torrenciais, com frio, sem quem lhes possa dar uma flor sequer.

E você, José? Um grande líder que deixava de nos animar para a luta, agora encaixotado numa prisão qualquer... Não. Isso não podia ser. Por isso, alguns de nós montamos o audacioso plano de seqüestrar o embaixador dos Estados Unidos e permutar sua liberdade pela liberdade de quinze prisioneiros, o primeiro dos quais, você, José. Desta forma, partiu para Cuba e lá era um preguiçoso, não trabalhava nos mutirões das casas populares, enfim, mostrou seu lado aproveitador e vagabundo. Sim, sentia que viera ao mundo para as grandes chefias.

Por volta de um mês de sua libertação, morreu na tortura um dos que lhe ajudaram a libertar. Quer refrescar a lembrança? Era operário, chamava-se Virgílio Gomes da Silva. Eu sei pois também estava lá, sofrendo nas mãos dos torturadores e vendo os companheiros cheios de machucaduras infernais. E depois você voltou ao Brasil. Fez plástica para não ser reconhecido, encastelou-se e deixou que outros morressem por você. Anos depois, voltou a ordem institucional. E José acoplou-se aos líderes para consubstanciar os planos de uma ditadura de esquerda. Pode? Mas alguém denunciou, e a Suprema Corte, que antes pudera lhe festejar o retorno, compreendeu seus nefastos propósitos. Veredicto: Condenado, levando consigo uma caterva de podres diabos. E agora, José? Eu continuo a lutar contra qualquer ditadura. E você?

2 comentários:

Rafael Puertas de Miranda disse...

José se fez "tentacular", querendo o lugar do molusco. A festa acabou e pela fresta da cela resolverá o seu impasse. Bravo, Ivone!

Anônimo disse...

Meu amigo, de quando em quando uma depuração é necessária.