sexta-feira, 14 de setembro de 2012

DE VOLTA A SÃO PAULO



Eu tinha uma consulta marcada no Hospital A.C.Camargo para fazer a revisão de um câncer de pele que retirei do alto do nariz numa cirurgia muito feliz. Era apenas um carcinoma basocelular, sem maiores implicações, mas isso culminou com a retirada de um bife de 7 centímetros de comprimento por um centímetro de largura, uma sutura tão bem feita que nem lembro mais que tive este câncer. Ir ao A.C.Camargo é para mim um imenso prazer. O hospital está super organizado, nem lembra aquele que conheci a vinte anos atrás. Na verdade, virou Instituto de Pesquisa.

Depois, fiz um passeio à Livraria Cultura do Conjunto Nacional para pescar alguma leitura mais. Em seguida, fui para a casa da minha amiga- irmã Ignez, viúva do meu querido orientador de doutorado. Ela tem um belíssimo apartamento no mesmo prédio em que mora o recém-casado Pelé, mas uma massa de edifícios cobre a visão do Masp, o museu dos encantos, tão bom é o seu acervo. E cada vez que fico aqui, sofro da nostalgia do paraíso perdido, pois moro em Mogi das Cruzes há 38 anos e gostaria que neste tempo, a nossa interiorana cidade tivesse mais ganhos em vida cidadã.

Eu não queria o Pelé morando na velha Mogi pois nada acrescentaria. Mas, cá entre nós, uma livraria como a Cultura, mesmo sem as proporções descomunais, mas com um acervo decente, seria um regalo. Gostaria também de um museu competente. Tenho certeza que ele custaria bem menos que a duplicação da estrada do Mar, para atender as filas inacabáveis de gente que quer lavar o trazeiro nas águas salgadas para depois voltar correndo ao trabalho.

São Paulo tem vida pulsando o tempo todo. Há pontos de encontro para todos os bolsos e todas as intenções. E a nossa velha Mogi, a que se restringiu? A acabar com os lugares onde a juventude com menos dinheiro possa se reunir para os seus debates sobre a realidade do país, a grandeza de um cineasta, enfim, bares para cabeças, sem som alto e sem os apelos de futuros encontros de namorados. Sinto em Mogi esta falta. O centro histórico que bem se prestaria a esse tipo de boêmia e revolução, virou um lugar morto na noite, e os jovens mais papo cabeça, não tem onde se encontrar. Parece que ficou fora de moda dialogar em público. Ou então, há uma paranoia que leva as autoridades a temer que dessas discussões boêmias apareça algum espírito crítico e que a ordem possa ser subvertida.

Então, ficamos assim: artistas, escritores, leitores, intelectuais, pessoas que gostam de reciclar o saber e as opiniões, estes não tem um lugar para se reunir, pois os points se deslocaram para a cidade alta onde estão à altura dos sons que produzem. Lá as loiras (burras ou não) paqueram rapazes sarados (tontos ou não), conforme a batida do som tonitruante.

Falar em cinema em Mogi é quase uma piada de mau gosto. Filmes para a criançada e os mais sérios em sessões únicas, somente à noite. É por isso que eu gosto de São Paulo. Tem tudo para todos os gostos. Esta megalópolis parece difícil, mas onde mais se poderia encontrar o Zubin Metha que reuniu os três Tenores? Onde uma Sala São Paulo ou um teatro Municipal digno? Não peço tanto a Mogi, mas sua arrecadação dá seguramente para construir e manter um centro cultural que seja o ponto de encontro daqueles que tem a cabeça tão inquieta quanto a minha.

Mogi das Cruzes tem aproximadamente 400.000 habitantes.


Um comentário:

Júlio Paiva disse...

Eu tenho a cabeça irriquieta, grisalha e um tanto fatigada pelas mentiras vistas de minhas retinas, mas como bom latino-mogiano, nunca perco as esperanças. Fecho os olhos e abro o campo de percepção, quase mágica senão pela irritabilidade de uma casuística realidade de paralelepípedos parecidos e cinzas.