sábado, 18 de agosto de 2012

O OUTRO LADO DO ESPELHO



Tenho lido ultimamente autores Africanos. De Achebe, da Nigéria a Coetzee da África do Sul, naturalmente não podia deixar de lado os autores de língua portuguesa, como os Angolanos Luandino Vieira, Pepetela, Agualusa, Ondjaki; os moçambiquenhos Mia Couto, Paulina Chiziane entre outros, e até o autor de Cabo Verde, Germano de Almeida. São muitos. Hoje, vou dedicar meu artigo ao Pepetela, que é uma das minhas grandes paixões.

Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, nasceu em Benguela em 1941, branco, filho de antigos colonizadores. Por seus pensamentos políticos, foi exilado na Argélia onde estudou Sociologia. Depois, na guerra de independência de Angola, voltou para sua terra onde se tornou guerrilheiro do MPLA. Este movimento de libertação fez de Angola um país independente, muito embora a paz não tenha se reinstaurado logo após a separação desta colônia de Portugal. Os sectarismos políticos continuaram a provocar disputas internas, de modo que Angola restou um país que até hoje carece de muitos recursos para o seu equilíbrio interno.

O primeiro livro de Pepetela que li foi “ Mayombe”. Lançado em 1980, essa obra romanceia um foco da guerrilha personalizando os tipos de pessoas diferentes que faziam parte daquele núcleo, sempre em luta contra os Tugas (portugueses) num meio geográfico hostil, com acampamentos nas selvas e pontos de apoio citadinos. A variada gama de guerrilheiros e ativistas políticos, levou-me à fatal comparação com as questões humanas enfrentadas no Brasil pelos grupos que se propuseram a lutar contra a ditadura militar. Fiquei em choque. Li o perfil de antigos companheiros naquela narrativa cheia de humanidade e dor. Mayombe me fez entender que o ser humano é na verdade uma soma de contingências e emoções que a razão nem sempre consegue controlar. Minhas feridas internas voltaram a doer, mas eu seguia a leitura, achava necessário tecer essa infausta comparação. Depois, peguei outros livros de Pepetela: A Parábola do Cágado Velho, Predadores, O Planalto e a Estepe, O Quase Fim do Mundo. Dois livros, ainda que escritos em épocas diferentes, chamaram-me a atenção pela excelência e pelo significado que guardam para quem quer entender um pouco mais da História do Brasil.

Um deles, recentemente lançado, levou o título “A Sul.O Sombreiro”, fala da conquista de Angola por Portugueses. Dominar a região, desde Luanda até Benguela, era uma tarefa dificílima, pois as febres matavam os aventureiros em grande número. Além disso, o terreno era difícil, e o território Angolano cortado pelo Rio Kwanza era repleto de grupos humanos chefiados por Sobas, com quem os portugueses poderiam se entender ou não. Esses grupos guerreavam entre si, aprisionavam gente dos grupos rivais que eram vendidos a traficantes de escravos e depois embarcados para trabalhar na lavoura do nordeste brasileiro. Pumbeiros eram os traficantes, especializados em buscar os prisioneiros e vendê-los para o embarque.

Este livro remeteu-me a outro que Pepetela escrevera uma década antes: “A Gloriosa Família. O Tempo dos Flamengos”, que retrata o mesmo processo na época da dominação holandesa no Brasil e, por extensão, em Angola. Enfim, toda a Europa se embriagando no mesmo gargalo desumano. (Continua)

4 comentários:

Anônimo disse...

O Mayombe me lembrou a densa floresta situada ao Norte de Angola, na região do enclave de Cabinda...famosa pela sua madeira riquíssima e pelo domínio dos grandes "gorilas do Mayombe", nome também do aquartelamento onde o meu pai prestou serviço militar, ainda na época da colonização portuguesa...Só por me ter ativado essa lembrança, já lhe agradeço ter escrito essa crônica...Parabéns!!!Carlos Saraiva

Rafael Puertas de Miranda disse...

"Lembranças
Do mercado ao porto de embarcação, eram previstas algumas paradas. Em torno da chamada Árvore do Esquecimento, os escravos deviam passar nove vezes, e as escravas, sete, para se esquecerem de sua terra, de sua identidade cultural e de suas lembranças geográficas. Essa árvore foi plantada em 1727 pelo rei Agadja. Hoje, em seu lugar, se encontra uma estátua de sereia -pois a sereia é o símbolo de quem vive no mar e o destino final dos escravos.
Uma curiosidade: atualmente, na Rota dos Escravos, depara-se com uma escola com o nome Complexo Escolar do Brasil. Encontram-se no Benin inúmeros sobrenomes brasileiros, como Souza, Silva, Cruz, Costa e Rego, entre outros.
Em Uidá, há numerosos rastros de brasilidade na alimentação e na arquitetura, por conta não apenas dos inúmeros escravos libertos retornados do Brasil mas também de um dos maiores mercadores de escravos, o baiano Francisco Félix de Souza (dito Chachá de Souza), que lá se instalou para enriquecer à custa do tráfico."

Sobre a árvore do esquecimento a qual me referi em nosso último bate-papo. Abraços (aguardo a continuação!).

Rafael Puertas de Miranda disse...

http://www.youtube.com/watch?v=jRZRa4H8674

Anônimo disse...

Rafael, acho que as árvores não lhes davam o esquecimento coisa nenhuma. Numa crônica adiante vou falar dos que voltaram. Obrigado pela colaboração
Ivone