terça-feira, 27 de março de 2012

HUMOR E JUSTIÇA


No último fim de semana, quando o Brasil perdeu um de seus maiores humoristas, a TV Globo ocupou a maior parte do seu tempo em relembrar os tipos que Chico Anysio criou, sua história de vida, a imensa família oriunda dos seus 6 casamentos, filhos, netos, e por aí vai. A Globo retomou também entrevistas que ao longo do tempo o humorista deu para a imprensa. Como um exercício de análise jornalística, vi tudo de cabo a rabo. Não descuidei de um único material pois, para quem é historiador, qualquer falha pode ser fatal. As entrevistas que ele deu ao longo dos últimos anos, foram extremamente valiosas pois, tirando a última em que ele conta os passos de sua recuperação até aquele momento, e se tornou amostragem emocional do conjunto, nas demais ele deixa escapar as técnicas da exposição do humor.
Fiquei com as palavras do Chico reverberando na cabeça até que de repente, não mais que de repente, descobri que o humor tem tudo a ver com a justiça. Sabem porque? Ambas as peças literárias são compostas do fim para o começo. No humor, o autor parte do desfecho da historinha; depois cria o enredo para ela. Por exemplo, aquelas velhas piadas sobre a mocinha sem pernas que arranjou um namorado. “O pai dela preveniu o rapaz: você pode fazer tudo com ela, abraçar, beijar e até chegar aos finalmentes, só não pode esquecer depois de retirar minha filha da forquilha da árvore”. Este fim, mudando os elementos do todo, tem uma formula garantida de sucesso.
Quanto à justiça, a coisa acontece mais ou menos do mesmo modo: existe o fato pronto (não que ele seja isento de humor, muitas vezes é trágico) para que as peças do jogo sejam montadas uma a uma até chegar ao fim que já está lá, exposto, escancarado para todos.
Mais ou menos como o pai zeloso no humor pede ao namorado que tire a garota da árvore, a justiça tem (ou deveria ter) um grande final que prevenisse futuras ocorrências. Mas não tem, pois a jurisprudência e os vazios da lei acabam por estimular que novos e velhos canalhas tornem a proceder de maneira ilícita. E isso ficou claro no dia da cremação do Chico. O tempo foi dividido em blocos: um de lembranças do mestre do humor, e outro dedicado às porcentagens que os corruptos levam nas licitações oficiais.
Humor e ilícito cruzam-se também em outras situações. Quem, medianamente zeloso de seus órgãos genitais, aceitaria esconder dinheiro na cueca? Ou jogar a namorada morta ao repasto dos cães? Ou usar seu talento futebolístico para tentar se safar de crime grave? Ou em nome de um falso pudor, negar exame de paternidade a uma pessoa só porque é vice presidente? Como comportamento social, humor e justiça andam de braços dados, quem sabe já não é hora de desatrelar as partes?

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