quarta-feira, 25 de junho de 2008

O JAPÃO QUE EXISTE EM MIM

O JAPÃO QUE EXISTE EM MIM

Sou filha de um português com uma iugoslava. Quando criança, em minha casa comia-se comida tipicamente européia, misturando bacalhoada com apfelstrudel. As variedades tinham data certa para serem feitas. Bacalhoada era própria da sexta feira santa; sonho de reis, tomava a cozinha no dia 6 de janeiro; rabanadas, no Natal, e torta de maçã, nos aniversários. Naturalmente, houve uma adaptação de pai e mãe à culinária brasileira, então, o excesso de batatas foi substituído por arroz com feijão, e os doces de fruta entraram no cardápio, substituindo o acúmulo de ovos dos doces portugueses.
Na década de 60, quando cursei um preparatório para vestibular, caí de pára-quedas no bairro da Liberdade. Ali, fui apresentada à uma nova modalidade de comida e também uma nova maneira de ver o mundo. Já na faculdade, eu vinha da Cidade Universitária até o centro de São Paulo, a fim de desfrutar do sabor e do pensamento filosófico e religioso do Japão. Aprendi os preceitos básicos do Budismo na Comunidade Soto Zen da Rua São Joaquim. Lá por perto, na casa do monge Ricardo, aprendi a comer e a fazer sukiaki; encantei-me com os suaves docinhos de feijão e com a beleza plástica dos sushis e sashimis. Meu paladar deu uma guinada de 180º. Ademais, o monge Ricardo me deu de presente um quimono das Olimpíadas de Tóquio, e pelo molde daquela roupa, confeccionei outras tantas. Fui do comitê de recepção dos então príncipes Akiito e Michiko, aprendi cuidados cerimoniais e consegui uma disciplina interior que muito me valeu para toda a vida. Assumindo o Budismo, levei de quebra o desprendimento, e bem poucos sabem como isso alivia o sofrer individual. Vim parar em Mogi das Cruzes muito niponizada. Não conservei a tradição portuguesa nem a austro-húngaro dos meus pais. Deixei este legado para minha irmã. No entanto, não dispenso a comida japonesa nem o silêncio interior que tanto me enriquece. Leio as linhas, as entrelinhas, vejo os desenhos e absorvo os vazios de fundo, ouço o silêncio e partilho na alma a leveza dos bambuzais. Entre Mogi e Japão, entre compaixão e austeridade, estou em casa, suave como uma gueixa e feroz como um samurai.

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