sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

UMA HISTÓRIA DE NATAL

Ela era uma moça surpreendentemente bonita, medianamente inteligente e desarticulada dos fatos do seu tempo.Ele, era surpreendentemente inteligente, medianamente bonito e, como todo indivíduo bem articulado, fizera-se a si próprio como trabalhador dedicado e sério. Casaram-se com pompa e circunstância, receberam muitos presentes, montaram uma casa bonita para a família que começavam a formar. Ele trabalhava como executivo de uma grande Companhia e ganhava muito bem. Ela era zelosa com o trato da casa, perfeita anfitriã, preparava o cenário para receberem amigos quinzenalmente.
Depois, começaram a vir os filhos. O primeiro, que herdou o nome do pai teve direito a babás e todos os fricotes títicos de ocasião. Depois, uma menina, diziam que parecida com a mãe, entrou no esquema do irmão. As mesmas babás serviam a ambos, mas tinham quartos separados para que o choro de um não atrapalhasse o sono do outro, além do que , rosa não combinava com azul.
Mais um espaço de tempo, veio à luz uma terceira criança, também menina, doce e calma, risonha que se divertia com as micagens dos dois mais velhos, e, segundo a mãe não dava trabalho a ninguém. Porém, o raspinha de tacho veio diferente. Difícil, complicado, era portador de Síndrome de Down. E isso, tirava-os do rol de família de sucesso em tudo. Procuraram especialistas, até trataram o garoto bem, mas, como os mais velhos requeriam muita atenção, esse menor ficou totalmente aos cuidados das babás. Assim, todos cresceram: pais de boa extração social, bem resolvidos economicamente, filhos lindos e promissores, a não ser, naturalmente, aquele último garoto que furou o esquema do quadro perfeito, e se tornava indesejável nos encontros sociais. Porém, advirto, nunca ficava sozinho, tinha sempre acompanhantes.

À medida que os filhos iam crescendo, suas personalidades manifestaram-se com mais vigor. O filho mais velho embrenhou-se numa profissão de alta tecnologia e partiu para os EUA onde havia melhores chances de progresso. Antes vinha todo ano, depois, suas visitas foram escasseando. A segunda, resolveu ser artista, e saiu pelo Brasil afora em busca de seu lugar ao sol, até que um estrangeiro levou-a embora para ganhar dinheiro num cabaré europeu. A terceira, manifestou desde cedo predileção por garotas, saiu de casa, foi morar com uma companheira e, de vez em quando, mandava um recado pelo computador para os pais, que, embora gostassem da filha, agora tinham dificuldade de explicar suas escolhas. Então, ficavam mais felizes com um simples e-mail do que com uma visita mais explosiva.

E os pais, esses, ficaram só em companhia do portador de Down. A mãe descambou na bebida e nos calmantes. O pai teve um enfarte e viu-se de repente limitado. No Natal estavam os três sozinhos em casa, frente a um peru e frutas gostosas. O garoto adorou. A mãe, todavia, bebeu demais. O pai recolheu-se em si mesmo. À meia noite deram o presente do filho, um brinquedo de armar, um tipo de torre Eiffel. Mas ele não se interessou nem deu atenção ao brinquedo, pelo menos naquela hora. Antes, levantou-se, pegou o pai e a mãe pelo braço, levou-os para o suntuoso quarto de casal e colocou-os na cama. Depois, ele próprio buscou o brinquedo, foi para seu quartinho, escovou os dentes, vestiu o pijama e deitou-se tranqüilo e feliz para dormir.

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