segunda-feira, 5 de novembro de 2007

O passado que não se apaga


O passado que não se apaga

Este ano completam 90 anos da Revolução Russa. O Encouraçado Potemkin, os Sovietes, tudo isto aparece como fotos num museu de antiguidades empoeirado e esquecido pelo tempo, afinal, o Socialismo acabou e as idéias de Marx morreram. Certo?
Errado! De acordo com uma escola alemã de pensadores e estudiosos da obra de Marx, o grupo Krisis, o que acabou no leste europeu não era socialismo, mas uma forma derivada de capitalismo, o Capitalismo de Estado. Esta análise já era feita por muitos autores sérios antes, desde os anos 30, pelos Comunistas de Conselhos, entre eles Pannekoek, Paul Mattick, Otto Ruhle, Amadeo Bordiga, etc.
Então, o que foi a Revolução Russa? O socialismo marxista vinha na Europa de uma conturbada tradição. Marx e Engels fundaram a I Associação Internacional dos Trabalhadores, cuja função seria coordenar as lutas pelo socialismo a nível internacional, por uma via revolucionária. Mas após a violenta repressão à Comuna de Paris, a Internacional se dividiu e se dissolveu. Após a morte de Marx, Engels e os jovens marxistas fundaram a II Internacional Socialista, cuja estratégia era a luta parlamentar: a social-democracia. Marxistas e anarquistas seguiram caminhos opostos. Mas esta estratégia deu no oposto do pretendido. Internacionalistas por natureza, os socialistas decidiram que iriam votar contra a I Guerra Mundial nos parlamentos. Mas na Alemanha, dominados por oportunismo, votaram a favor, traindo a causa.
Então, a I Guerra Mundial começou e com ela a devastação da Europa. Alguns socialistas inconformados, como Lênin e Rosa Luxemburgo, lançaram-se em luta para desarmar a guerra com greves gerais. Rosa foi presa e Lênin, exilado da Rússia. No final da I Guerra, ante uma Rússia devastada, com fome e custos humanos altos, os trabalhadores russos derrubaram a monarquia czarista e instalou-se um Governo Provisório, com a promessa de a Rússia sair da Guerra. Mas o Governo Provisório (social-democrata), aliou-se ao grande Capital e manteve a Rússia na Guerra. Isto desencadeou a ascensão dos Bolcheviques, liderados por Lênin, e a Revolução de Outubro. Lênin e Trotsky a lideraram, tendo os olhos voltados para a Alemanha, que tinha a indústria mais desenvolvida da Europa. A Revolução deveria ser internacional, mundial. Fundaram a III Internacional, ou Internacional Comunista.
Mas as coisas deram errado na Alemanha. Em 1918, após o fim da guerra, inicia-se a revolta operária. Mas o Partido Social Democrata no poder liderou uma violenta repressão, onde Rosa Luxemburgo foi assassinada. Sucederam-se várias revoluções na Alemanha, até 1923. A derrocada das revoluções na Alemanha acabou deixando a Revolução Russa isolada e sem se expandir. Após ter derrotado a invasão por um exército de 21 países, a Rússia estava cercada. Lênin então resolveu industrializar a Rússia, enquanto não ocorresse a Revolução na Alemanha. Saída: implantar um Capitalismo de Estado, nos moldes alemães-prussianos. Este não foi um processo tranqüilo. Foram introduzidos gestores burocratas nas fábricas, contra a vontade dos operários. As comissões de fábrica destruídas pelo governo, os sovietes atrelados ao Estado e ao Partido. Os sindicatos atrelados ao Estado. A fábricas e terras, expropriadas e coletivizadas pelos trabalhadores, foram estatizadas. Este processo não deixou de ter conflitos: uma greve geral em S. Petesburgo foi reprimida, um levante de marinheiros em Kronstadt sufocado pela força, e operou-se um massacre de camponeses anarquistas na Ucrânia. Todos resistiam contra o capitalismo de estado. No final, criou-se uma polícia política, a Tcheka. As oposições operárias foram suprimidas, a imprensa censurada, apareceram prisões políticas e campos de trabalho forçado na Sibéria. O governo russo defendeu a militarização do trabalho, indústrias, e outras medidas. A Rússia entrou na corrida pela modernização recuperadora e acelerada, e destruiu assim o que de fato tinha de comunismo e libertária. Talvez não houvesse saída, o socialismo não poderia dar certo num só país. Então, Lênin morreu e o poder foi assumido por Stalin (embora Lênin defendesse Trotsky como sucessor). Com Stalin, capitalismo de estado passou a se chamar de “socialismo” e iniciou-se um reinado de terror. Trotsky exilado, repressão política violenta, milhões de dissidentes enviados aos Gulags na Sibéria, etc.
Sobreveio o nazi-facismo pela Europa (como reação à onda revolucionária). A Segunda Guerra veio, devastadora, e a URSS pelo menos venceu Hitler. Depois, a Guerra Fria, e o lento desgaste do regime soviético. Mas este servia de modelo para as revoluções no mundo todo. Capitalismo estatal, industrialização forçada e sociedade de caserna eram sinônimos de socialismo. Pode-se dizer que a experiência mais próxima de socialismo que houve de fato foi durante a Guerra Civil Espanhola (1936-39), feita por anarquistas.
No final, o regime soviético (uma república “soviética” sem sovietes) caiu em crise, em 1992, pegando a todos de surpresa. Não conseguiu competir na industrialização com o Ocidente, mais desenvolvido. Então, os ideólogos do capitalismo liberal estouraram champagne e festejaram o fim do Marxismo. Mas estavam enganados.
Com os anos 90, a revolução microeletrônica instalou definitivamente o desemprego e o arrocho salarial a nível mundial, jogando a economia global em crise estrutural. Crise do Japão em 1992, dos Tigres Asiáticos em 1997, das bolsas em 1999, Argentina em 2001, crise do mercado imobiliário americano neste ano. Uma crise estrutural se instalou no mundo globalizado e avança lentamente. Simplesmente, o colapso da URSS não significou o “fim do marxismo”, mas sim o fim da modernização no Leste. E o começo da crise mundial estrutural do capitalismo, prevista por Marx há mais de 150 anos, em sua obra O Capital. O colapso da URSS não constituiu na refutação dos argumentos de Marx. Pelo contrário, a teoria do pensador alemão pode ser aplicada para analisar o fracasso do socialismo. A crise mundial, que hoje se manifesta no desemprego irreversível, na miséria, no retorno do trabalho escravo e superexploração (China), falência de empresas, o capital fictício nas bolsas, as guerras e a crise de financiamento dos Estados. Todas estas conseqüências confirmam de forma decisiva os argumentos de O Capital. Quem foi dado por morto vive mais. O velho profeta barbudo ressuscita em todo o mundo em novas análises teóricas desconcertantes e precisas, e que propõem um novo conceito de socialismo, muito diferente do que se conhece.
A Revolução Russa fracassou, acabou na verdade implantando o capitalismo na Rússia. Mas ela foi uma experiência histórica que moveu a fantasia de milhões e deixou lições para a humanidade. É importante lembrar dela, em dias que a barbárie social se alastra e os jovens não tem mais utopias.


Paulo Marques


Quem quiser saber mais, acesse a revista eletrônica Marxismo Radical:
http://marxismoradical.blogspot.com
Vale ler também: OS DEZ DIAS QUE ABALARAM O MUNDO, de John Reed
Assista se puder: Doutor Jivago, um dos mais belos filmes sobre a Rússia.

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