terça-feira, 29 de novembro de 2011

CLAUDE LÉVI-STRAUSS. O poeta no laboratório.

Acabo de ler a obra de PATRICK WILCKEN, escritor australiano com formação londrina, atualmente especialista sobre o Brasil na Anistia Internacional, autor de uma densa biografia de Claude Lévi-Strauss, o criador da Antropologia Estruturalista. O autor da obra precisou ter um amplo conhecimento da obra de Lévi-Strauss para poder contextualizar a vida do cientista dentro do mundo intelectual que viveu. Como o antropólogo viveu de 1908 a 2009, há um século de história dentro da qual ocorreram eventos marcantes. Duas guerras mundiais com a perseguição aos judeus na segunda, a crise econômica de 1929, o florescimento de nações comunistas, as revoltas de 1968 na França, e os movimentos de libertação de colonias do imperialismo europeu, como a Argélia, por exemplo, que se libertou da França apenas na segunda metade do século XX. Todos os fatos acima citados de alguma forma foram vividos intensamente pelo autor dos "Tristes Trópicos", obra publicada em 1955, duas décadas depois de uma longa passagem de Lévi-Strauss pelo Brasil, onde veio colaborar com o nascimento da Universidade de São Paulo.

No Brasil, o antropólogo não deixou confinar-se na vida da Academia. A cada período de férias ou recesso, ele ia para dentro das tribos indígenas e coletava material iconográfico bem como linguístico e mitológico. Assim, documentou os magníficos desenhos corporais dos Caduveus, as lendas dos Bororos e, finalmente, numa última empreitada, fez o trajeto dos cabos telegráficos do Marechal Rondon para chegar aos índios Nhambiquaras, os mais elementares de todos com os que conviveu. Ao regressar para a Europa, o sábio tinha muito material para trabalhar em suas teses, no entanto, as perseguições nazistas levaram-no ao exílio nos EUA, onde providencialmente entendeu-se com colegas que trabalhvam no resgate cultural de povos residuais autóctones. Após a guerra, ele voltou a Paris e colocou-se à construção de suas obras, Nasceram assim "As estruturas elementares do parentesco", "Tristes Trópicos" e "O Pensamento selvagem". Estas obras lançaram as bases do estruturalismo na antropologia e prenunciaram as "Mitológicas", em quatro volumes , que cruzaram matematicamente em equações complicadas o lastro comum da cultura mesmo entre povos diferentes. O complicadíssimo método para cruzamento de dados numa era pré computador, tornaram o laboratório de Claude Lévi-Strauss um teto com uma profusão de móbiles que entrecruzavam informações, todas elas finamente catalogadas. Academicamente, Claude foi admitido na Escola de Altos Estudos da Sorbonne, na 6ª secção. Mais tarde tornou-se membro do Colégio de França, instituição elitista por excelencia e, finalmente, tornou-se membbro da Academia Francesa de Letras, com direito a fardão, capa e capelo de dois bicos. A essa altura, sua fama corria o planeta. Reverenciado por uns, negado por outros, trabalhou em limites mais largos do que era próprio na época. Teve como modelo Saussure, fundador da semiótica e transitou em multiplas áreas do conhecimento para dissecar a complexidade dos mitos que estudava. Ao falecer, com 101 anos de idade, deixou um lastro assombroso de dados e uma obra que até o momento bem poucos conseguiram conhecer completamente.

Como modelo de um dos mitos trabalhados por ele, seu biografo cita um que merece ser sorvido na plenitude da simplicidade e do non-sense:

"O M524 mostra um relato taulipangue da Guiana explica as origens do ânus. No começo, nem homens nem animais tinham ânus, e defecavam pela boca. Um ânus sem corpo vagueava entre eles, e escarnecia de todos peidando na cara deles e fugindo. Mas eles o perseguiram e pegaram, cortaram-no em pedaços distribuindo entre todos os animais de acordo com o tamanho atual de seus orifícios... ao contrário teriam que defecar pela boca"...

Claude era animado leitor de Freud, acompanhou Lacan, Merleau-Ponty e Michel Foucault. Era simples ao falar e complicado ao escrever. Assim o método o exigia.

A Biografia é extremamente bem escrita. Como o autor estudou profundamente Levi-Strauss, acabou compondo uma verdadeira iniciação ao conhecimento do antropólogo, bem como suas relações com as demais ciências que lhes foram coetâneas. Vale ler.

OS TORMENTOS DO FIM DE ANO


Perguntei a um Psiquiatra amigo se ele ia sair de férias neste fim de ano e ele respondeu: “Não. Nessa fase do ano muitos pacientes precisam de socorro”. Evidente, o período Natalino exacerba uma infinidade de emoções, entre as quais a melancolia, o sentimento de solidão, tudo em contraponto com a doida corrida das pessoas para a montagem da Orgia Natalina. E foi por esse caminho que me lembrei de um pequeno artigo escrito por Claude Lévi-Strauss no início da década de 1950. Aqui, o antropólogo estruturalista debruçava-se sobre um fato ocorrido em 1951 em Dijon, na França. Naquele ano, entendendo que o Natal perdera o seu significado principal que é comemorar o nascimento de Cristo, o clero da região, apoiado até por gente protestante, reuniu frente à catedral uma multidão de pessoas, entre elas centenas de crianças, para assistir o enforcamento e, depois, a cremação de Papai Noel, considerado usurpador e herege e acusado de paganizar a festa de Natal e nela se instalar como um intruso.
Era evidente que as festas de Natal haviam ganho cada vez mais as feições do espírito Norte Americano, prestigiado com o fim da guerra.
Sabemos que o Natal é “uma festa essencialmente moderna, apesar dos múltiplos traços arcaizantes”, pontifica Lévi-Strauss, antes de embarcar numa análise mais profunda e chegar até as Saturnais romanas, festas pagãs que aconteciam no mesmo período na antiguidade e, depois, com pequenas novas formatações,à Idade Média.
Quando pequena, em minha casa sempre havia um tannembaun (pinheiro) enfeitado com bolas e pedaços de algodão. Debaixo da árvore apareciam os presentes, que não passavam de “recompensas” pelos nossos bons atos durante o ano. Deixando de lado a análise do antropólogo, eu fico até hoje me perguntando que tipo de escambo era aquele, que exigia boas ações em troca de um bem. Mas, passado meio século do suplício de Papai Noel em Dijon, rebelo-me com tanta intensidade porque reconheço no Natal uma histeria de compensações inúteis. Parece que a população perde o juízo. Todas as lojas ficam impenetráveis e nos principais centros, o ex-supliciado Papai Noel desce renascido de um helicóptero para alegrar a garotada. Pior, parece que traz no saco de brinquedos um decreto exigindo a felicidade coletiva, como se pudesse haver um anestésico momentâneo para as grandes dores crônicas do mundo. A televisão inunda seus programas com este carnaval antecipado e a mais periguete da novela se veste de Santa Claus. Valham-me os Orixás. Vou entrar em retiro, enquistar-me no lar, botar som na vitrola, comer pipocas e tomar café. Se fui boa este ano, que o ridículo escambo natalino me conceda somente sossego. Sem neuras e com muita paz.

Esta é a Ivone que se diverte mais com um bom livro do que com um shopping center.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

As duas faces de uma só moeda

Serra Leoa fica no extremo ocidental da África, e é um país africano em constante estado de revolta por conta das rivalidades tribais que refloresceram com a descolonização. Lá, a violência é endêmica. O fraco poder que se instalou não tem como lidar com os rebeldes, assim tanto os lutadores pró como os contra o governo entram em encarniçadas lutas nas quais a população emerge de um estado de sofrimento brutal.

O centro de poder fica em Freetown, de modo que as pessoas feridas, mutiladas, enfim, sobreviventes, seguem para o centro hospitalar e depois os abrigos (acampamentos de refugiados) da capital.

Dois livros contam a brutalidade dos enfrentamentos. Um deles, de autoria de Mariatu Kamara, intitulado "A mordida da Manga", conta a epopéia de uma garota pega pelas tropas rebeldes e entregue para garotos aliciados entre a própria população para que fosse estuprada e tivesse ambas as mãos amputadas. Ela conseguiu fugir, amarrar os cotos dos braços em tiras de panos até encontrar quem a levasse para Freetown. A saga da menina é de arrepiar os cabelos de qualquer pessoa normal. Enfim, é uma história de terror.

O outro livro foi escrito por um garoto, Ishmael Beah, que fez parte dos lutadores mirins de Serra Leoa. Lutar, para ele, era uma questão de sobrevivência, tanto faz o lado em que estivesse. Drogados com muita liamba e outras drogas, lançavam-se como chacais sobre suas presas, estupravam e depois matavam, não sem antes mutilá-las bem.Seu livro chama-se "Muito longe de casa. Memórias de um menino-soldado".

Hoje, Mariatu mora no Canadá e ishmael nos EUA. Ambos estudam e se preparam para trabalhar na ONU em favor das crianças arregimentadas para a violência e também as vítimas dessa violência.

Esta é uma guerra sem vencedores nem perdedores. Apenas uma rinha de galos de briga onde por vezes ou or engano, caem pintainhos e frangotes de um galinheiro comum. Por isso, vale conferir os dois lados da mesma moeda.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

SUPORTAR O INSUPORTÁVEL


Quando o Imperador Hiroito do Japão assinou o acordo de rendição do fim da Segunda Guerra Mundial, ele sabia que além das fronteiras da nação japonesa havia um número enorme de súditos do Império, e que esses estavam sofrendo por parte das populações onde viviam agora, enormes humilhações. Então, ele escreveu uma carta dirigida a todos os filhos da terra do sol nascente, pedindo que “ suportassem o insuportável” para que a paz voltasse a reinar. Nem todos os japoneses que viviam fora do Japão aceitaram a rendição japonesa e a proposta do imperador; assim, alguns deles se colocaram na condição de guerreiros e passaram a matar, como traidores da pátria mãe, os conterrâneos que haviam atendido os apelos de Hiroito. Isso aconteceu depois de Hiroshima e Nagasaki terem sido arrasadas pelas duas bombas criminosas lançadas pelos EUA para forçar a rendição. Esse grupo de resistência teve atividades em São Paulo e nas regiões que haviam recebido no começo do século imigrantes nipônicos. Mas, apesar de cometerem alguns assassinatos, foram identificados pela polícia no Brasil, presos, e poucos anos depois, os que continuavam detidos foram libertados para seguir suas vidas. Esse fato é bem pouco explorado pela memória da imigração e pela própria história do Brasil, talvez porque já estivéssemos acostumados a ter memória curta e apenas queríamos viver bem. A frase que me ficou desse episódio todo foi justamente essa súplica do Imperador, “Suportar o insuportável”. E, hoje, eu diria que, nesta sociedade em que vivemos, a súplica do Imperador vale para todos nós, brasileiros, paulistas, mogianos. Em suma, vivemos dentro de uma sociedade em que, segundo o poeta medieval François Villon, “Nada me é certo senão a coisa incerta”
Num agrupamento humano pequeno como o de Mogi das Cruzes, como podemos estar seguros quando uma pessoa “da casa” mata com requintes de crueldade duas moças preparadas para viver um futuro profissional e pessoal promissor? Sim, existem bandidos, mas há uma linha divisória entre eles e as pessoas “de bem”; agora contudo o mal brota dentro das próprias quatro paredes! Suportar isso é suportar o insuportável.
Fora os bandidos, existem situações que saem fora do nosso raio de compreensão. Vou dar dois exemplos de coisas inacreditáveis que vi recentemente.
O primeiro diz respeito a um tratamento que fiz para um suposto glaucoma diagnosticado apressadamente em mim. O médico receitou-me um colírio de nome Lumigan, cujo princípio ativo é uma substância de nome Bimatoprosta. Com os meses de uso do tal colírio, meus cílios começaram a crescer e ficaram belíssimos. Pois não é que, mesmo sendo considerada uma droga relativamente recente, a indústria dos cosméticos se apropriou dela para criar “cremes de aumentar os cílios” e deixar o olhar mais fatal?
O segundo, quase me fez cair da cadeira. Saiu em publicação da Revista Claudia de novembro (pg.124) e trata do uso de uma substância de nome Victosa, própria para cuidar dos diabéticos tipo II com injeções diárias na barriga, tendo sua função desviada para o emagrecimento das gordinhas, visto que a Anvisa proibiu outras drogas muito usadas nos tratamentos de perda de peso. Ora, como vamos saber a médio e a longo prazo os efeitos dessas drogas no organismo das pessoas? No entanto, essa gente que busca o seu “padrão de beleza imaginário” não se questiona que virou um plantel novo de cobaias de laboratório, e entrega-se feliz ao sacrifício para atingir a utopia da perfeição.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Passaporte para a China

A Companhia das Letras acaba de publicar as crônicas de Lygia Fagundes Telles escritas para o jornal "Última Hora" em 1960, a propósito de uma viagem que a autora fez à China em 1960. São crônicas datadas, por isso mesmo, nenhuma alteração foi feita no texto das mesmas, e o conjunto resultou num livro muito bonito sobre a visita que uma comitiva de brasileiros e outros latino-americanos fizeram à China por ocasião dos festejos de aniversário da Revolução Chinesa, que estava já em seu décimo primeiro ano. Não entendi bem o porque desta comemoração de onze anos -esse tempo guardará para eles algum significado diferente que o nosso, pois comemoramos os aniversários ano a ano, ou a cada cinco, ou dez, ou cinquenta ou cem- dentro da nossa lógica Ocidental, em todo caso, Mao Tse Tung preparou estes festejos e convidou todas as nações que não lhe viraram as costas para participal. Então, o Brasil enviou uma comitiva de intelectuais entre os quais estava Lygia.
Mas, a ida para a China foi uma epopéia sem limites. Primeiro o avião levou-os até Dakar. Depois Paris. Logo saíram da cidade-luz para Praga, e então daí foram dar com os costados em Moscou. Na capital da falecida URSS, lygia ficou confinada em um hotel moscovita pois seu passaporte previa a Tchecoslováquia, mas não Moscou, de forma que só no fim da curta estadia ela passou de carro pelo Kremlin e outros edifícios históricos que ela gostaria de ter visto. No entanto, foi lá mesmo, no hotel, que começou um contato com proletários russos e doces mulheres cujos cabelos se prendiam em longas tranças que depois rodeavam-lhes a cabeça como uma guirlanda. Ao deixar Moscou, Lygia e a comitiva tiveram ainda duas baldeações em aeroportos da Sibéria, para só então voarem livremente para Pequim.
Ninguém deve pensar que lygia faz uma descrição deslumbrada do que chamavam Nova China. Ela estranhou a incrível uniformidade das vestes, dos cortes de cabelo, da ausência de casais enamorados caminhando pelas ruas e ainda, a absoluta falta de qualquer gato ou cachorro naquele cenário.Questionou o guia, um chinês discreto que falava francês com certa dificuldade. Para os namorados que não apareciam, ele limitou-se a dizer: Na nova China temos muito o que fazer, não há tempo para isso. E, quanto aos cães e gatos, o guia foi mais livre e contundente: Madame Telese, numa terra com tanta gente para comer, como poderíamos sustentar animais de estimação?
Lygia esteve nas festividades e foi à Casa do Escritor de lá. Recebeu de presente uma edição das poesias de Mao. Fora isso, ficou esperando um periodo livre para comprar lembrancinhas, pois terminados os festejos, retornaram ao Brasil pelos mesmos lugares que haviam seguido na ida.
O livro tem sua magistralidade. A narrativa de Lygia é aguçada e delicada ao mesmo tempo. Ela não coloca em causa o regime de Mao nem incensa sua magnitude. Ela deixa claro o que um amigo meu que foi à China me disse: Com toda aquela superpopulação, era impossível gerenciar o formigueiro humano de outra forma.
A Companhia das Letras fez um belo trabalho não apenas na edição deste livro de Lygia. Ela editou em formato de coleção as demais obras da autora que é um dos melhores nomes da nossa literatura. Para os que viveram a minha época dos idos de 68, recomendo também a leitura de "As Meninas", primoroso e sensível romance que retrata essa época sombria do Brasil.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Onde se vive, onde se morre


Falo com uma porção de gente. São aqueles que entram na internet e se dispõe a um diálogo. Mas, atualmente, confesso que essa forma virtual de viver tem me deixado bastante incomodada . Sucede que, nas redes sociais, recebe-se o que se quer, mas também o que nem por brincadeira se pretende receber. Existe um trânsito sem fim de mensagens que são repassadas sem o menor pudor. Detesto, por exemplo as mensagens de pregação religiosa, as de auto ajuda, as sarcásticas com o mal do próximo. E imagino o quanto vou ficar louca na época das eleições, pois nenhum político atual vai ficar fora da nova forma de abordagem.

Existem prazeres que são insubstituíveis, como o de freqüentar uma boa banca de jornal (adoro ir ao Patão), uma livraria, ver as cores das vitrines, sentar e comer um pastel chinês. Mas até isso fica difícil muitas vezes.

Sábado fui à Suzano. Eu queria dar um pulinho na livraria Nobel de lá para ver os lançamentos da hora. Fui, porém quase não voltei. O Shopping da cidade vizinha estava tão cheio que dava a impressão que a metade da população local tinha tido a mesma idéia que eu. Achei ótimos livros na Nobel, e enquanto media o movimento da loja e a extensão do acervo atualizado e disponível, ocorreu-me que moro numa cidade burra. Burra mesmo, que não suportou outra livraria fora a raquítica Saraiva que há no Mogi Shopping. A Nobel em Mogi ficou tão pouco tempo, e era uma livraria gracinha, com tudo para dar certo,livros, café e cadeiras deliciosas para os bate-papos de fim de tarde, mas, aqui, morreu! Ô minha Santana, como é que fazem do teu dia um feriado e não levam em conta que a Senhora tem por atributo o livro? Então, eu fico dolorida ao ver que Mogi tem duas universidades, outras instituições de ensino superior, mas o que faz a cidade agitar é a Faculdade “Amarelinho” com sua oferta de cerveja e porções de salgadinhos... Será que não tem nada errado aí?

Segunda fui ao Shopping daqui. Sete horas da noite, o monstro de concreto dormitava. Calma demais para um quinto dia útil. E onde estariam as pessoas? Vendo novelas? Sentadas em frente aos seus computadores?

Pior, uma cidade sem capacidade de mobilização para movimentos sociais. Então, as pérolas: Lixão, aqui não. Corretíssimo, ninguém suporta viver perto de um local fedorento e juntador de gases futuramente explosivos. Mas eu ouvi por aí que alguns pedem a construção de um aeroporto lá no mesmo Taboão. Você tem idéia do que é morar perto de um aeroporto internacional com dezenas e dezenas de turbinas de jatos chegando e partindo? Não. Não tem. E, se tiver e assim mesmo aceitar a quebra da nossa bucólica paz, sou obrigada a confirmar. A burrice é maior do que eu esperava.

Retiro de vez em quando é bom

Fiquei parada com meu blog durante um bom tempo. Estimulei o Blog do meu amigo Jônatas de forma que ele aprendeu, criou, tornou-se assíduo e eu fiquei para trás. Durante esse periodo de retiro...bom, melhor talvez recesso, fiz muitas coisas. Cuidei de mim mesma, de minha saúde que andou frágil, li literatura africana de maneira compulsiva, passei por autores e lugares que jamais havia conhecido, me diverti, escrevi todas as semanas meus artigos para o jornal, provoquei os leitores, soltei as frangas e o galinheiro todo. Fiz resenha de livro, dei entrevistas, repousei minha coluna e amei.
Tratar um periodo assim como Retiro tem a ver com a escola de freiras onde estudei. Todo ano faziamos nosso "retiro espiritual" que era acompanhado de muita reza e pouca comida, tinha essa coisa de ascetismo meio medieval, mas como a escola era para meninas e todas as adolescentes estavam em plena ebulição hormonal, muitas vezes era difícil manter a proposta das freiras. O retiro mais significativo que fiz foi o que se iniciou na morte do Papa Pio XII. Nós ficamos em retiro espiritual durante todo o tempo em que o Colégio Cardinalício ficou reunido para escolher o novo papa e a fumaça branca saisse da chamimé sagrada do Vaticano. Não lembro quantos dias foram, mas quando escolheram finalmente o Papa João XXIII, suspiramos aliviadas pois o destino da humanidade estava "salvo". E nós, doces ovelhinhas do Senhor, estávamos livres. Até hoje meu joelho doi quando faço genuflexão, no entanto tenho que reconhecer que João XXIII foi o grande papa do século XX, ainda que hoje eu não tenha mais nenhum vínculo com a Igreja Católica e minha visão sobre ela seja apenas histórica e antropológica. Como percebem, o passado me diverte, seja ele remoto ou próximo. E o meu último retiro aconteceu por minha livre vontade, sem cargas religiosas. Liberdade, liberdade. Nada mais me interessa.