terça-feira, 8 de setembro de 2009

Gauguin e Van Gogh

GAUGUIN E VAN GOGH
Dia ou outro a gente tem que parar de pensar nas cacas que os nossos pares fazem, para pensar na caca que os outros fizeram. Pior: Inês é morta e o povo muito louco reabre umas questões que são tão significativas como o pum do pardal que acorda os ingleses.
A Folha Ilustrada desta terça feira botou em causa quem cortou a orelha de Van Gogh. Pode? Falam uns da truculência de Gauguin – o que é verdade; outros, falam da fixação homoerótica que Van Gogh mantinha por Gauguin. O fato é que a orelha foi guardada por uma prostituta, e Van Gogh enjaulado num hospício por um bom tempo. Ele era fã de absinto, eu já tomei absinto e nunca tive vontade de cortar nada. Garanto. Gauguin, por sua vez, que era neto da anarquista Flora Tristã, a única mulher de que se saiba tenha posto o indicador no nariz de Marx porque achava que seus textos eram mais importantes que os dele e deviam ter prioridade na gráfica, era não menos anarquista que a vovó. Retirou-se para as Marquesas, onde pintou os nativos e escreveu sobre eles com pertinácia indiscutível. Gauguin tinha seu lado antropólogo. Sabia que os cristãos iam apagar aquela natureza aborígene da face da terra. E tinha razão.
Van Gogh suicidou-se com um tiro nos miolos mas manteve seu bilau intacto. Gauguin, por sua vez, morreu de doença sexualmente transmissível, mas era um ídolo para a população das Marquesas que o chamavam de Koké.
O que ficou destes dois homens foi a pintura que fizeram. A sala de Van Gogh no Museu d’Orsay, me arrepia até o fundo d’alma. Gauguin me enternece com o seu lado antropólogo. Antes e Depois devia ser um livro lido por todos, um libelo em defesa do que é puro e natural.
Fico em meu computador pensando no tanto de lixo que se produz sobre a sociedade contemporânea. Estamos todos estuprados dia-a-dia por um volume absurdo de desgraças, demonizações, corrupções, ficamos sem tempo para brincar com o gato e o cachorro, que não dirá ver arte, ler livros. Aliás, acho que há uma conspiração nacional para analfabetizar todo mundo. Depois cegar, finalmente, calar. E Van Gogh, coitadinho, já sabia disso. A propósito, ele sofria de esquizofrenia ou de porfiria?
NÃO SOU INTELECTUAL

Não sou intelectual. O que fiz na minha vida foi decorar a tabuada de vezes, ler a cartilha e, o máximo a que cheguei foi interpretar Virgílio no original latino para compreender o carbúnculo hemático que devastou a Nórica na Antiguidade. Quando passeei pela Europa, meus companheiros eram alguns franceses , escandinavos e portugueses que gostavam de tomar café em qualquer botequim. Faziam o mesmo que eu, isto é, tentavam saber das epidemias do passado para compreender as realidades imunológicas do presente. Era uma parada legal, a gente se entendia bem e, como estávamos longe de casa, falávamos com saudade de nossas famílias. Este longo passeio, apesar de ser pago com dinheiro do governo do Brasil, jamais foi aproveitado pelos médicos daqui, porque eles achavam mais fácil alegar nas declarações de óbito que seus pacientes morriam de falência múltipla de órgãos. Impressionante. Se eu fosse intelectual, talvez encontrasse algum cadáver com alguns órgãos funcionando, mas isso nunca aconteceu. Em todos os mortos que vi, havia parado tudo. Por isso, a gente se contentava em analisar achados esqueletais, principalmente quando os traços patognomônicos da doença que os vitimou eram muito evidentes nas ossadas cranianas. Não há nada de intelectual nisso, é apenas um brinquedo de Indiana Jones com o dinheiro público. Foi lindo ver o esqueleto de São Frutuoso. Uma osteoporose do cão, mas que importância pode ter isso? Ou que importância pode ter em saber que a lepra chegou aqui pela colonização? Ou que o sul tem mais resistência imunológica que o norte do país quanto a essa doença? Ou que a miséria tem sempre o seu dedo posto na mortalidade social? Mas isso não faz de mim uma intelectual.
Também não sou “massa de manobra”. A morte de Michael Jackson não me comoveu a ponto de nâo ler as outras páginas dos jornais, de saber o que vai pelo mundo. Na verdade estou velha para apreciar garotos andróginos que adoram balançar os quadris e coçar o saco para a platéia. Estou em outra. Gosto de sempre ver que o espelho tem duas faces. Cadeião e lixão não interessam para a cidade, mas interessam menos ainda a quem mora nos ricos condomínios do Taboão para lá.
Também não mando em nada, nem em minha própria casa. Acho que criei o senso relativo das coisas, desde que o meu velho pai falava entre risos que o vizinho era mandão pra burro, mas as filhas viravam bolsinha e a mulher havia passado em revista todo o quartel do Barro Branco.
Reduzo-me à minha insignificância, mas não reduzo meu orgulho e minha moral aos atos fascistas de quem quer que seja. Por exemplo: um político eleito é apenas um criado meu, pago com meu imposto para trabalhar direitinho. Explicit.

Feriado Cívico

FERIADO

Aprendi a cortar os cabelos do meu filho. Ele não tem muitos fios na cabeça, em todo caso, é sempre uma obra de arte manipular máquinas e tesouras, sem deixa-lo com menos cabelo ainda. Dez reais. Economia doméstica pura; em contrapartida ele lavou a louça do jantar. Também, esse feriadão longo deu para fazer muita coisa, do supermercado à leitura de jornais e revistas. Deu até para saber que o Lázaro Ramos e a mulher vivem em casas separadas mas se visitam com freqüência, maior do que os amigos comuns. Deu pra dormir bastante. Deu para ler mais um trecho do Quarup, de Callado e brincar de budipoque no Orkut. Mas, chegou a terça feira, o tempo dos desfiles e do ócio passaram, e eu vi no jornal de terça um maçon de luvas brancas (claro, eu que sou cunhada também tenho uma, ainda que não saiba o que fazer com ela)
Então, fiquei a matutar no meu matutômetro, qual o papel real que a maçonaria teve nos acontecimentos nacionais. Pelo menos uma coisa é certa. O Dom Pedro não era maçon coisa nenhuma. Ele gostava mesmo era de mulheres, mas, como estava rodeado de senhores sérios, não podia passar em branco que ele berrara Independência ou Morte. Então, fizeram no Rio uma sessão solene e ele foi guindado ao grau 33 e Grão Mestre da referida ordem. Assim: bem coisa tipo “Doutor Honoris Causa”. Como se percebe, o Brasil tem suas mandracarias desde as origens.
Longe de mim criticar ou entrar em polêmicas quanto aos símbolos pátrios, mas garanto que Moacir Franco tem mais popularidade que D.Pedro I. Rio Negro e Solimões, então, nem se fala. Ou seja, o passado se perdeu porque nem era tão interessante. O presente ganhou porque dá pão e circo com fartura à população.
Será que essa ótica nihilista pega bem? Claro que não. Viver feriados só porque o são, deixa no ar um certo clima de mofo, de ignorância, de absoluto desentendimento em saber interpretar símbolos.Talvez o símbolo mais forte que se tenha esquecido, foi o da Liberdade. Ser livre para cortar os cabelos do filho. Ser livre para pensar e escrever sem as cutiladas da censura. Ser livre até para não ser livre, e escolher um marido mandão. Ser livre para escolher um presidente bufão e um senado de pé quebrado. Ser livre para se corrigir. Ser livre para cooperar, para conviver, para dividir, para amar, para negar.
Só que a liberdade tem um preço alto. Significa não delegar poderes para que os outros ajam em seu nome. Ter coragem. Não aceitar mandracarias a que me referi. Defender livremente a natureza da qual fazemos parte e, sobretudo, num clima de fraternidade e solidariedade. Ser livre para não usar luvas na hora de hastear a bandeira. Mostrar as mãos limpas. E, de princípio, prontas a lutar pelo preço da liberdade.